Os protestos contra o racismo em todo o mundo após a morte de George Floyd por um policial branco levaram muitas redações nos Estados Unidos a refletirem sobre sua cumplicidade com a desigualdade racial.

Uma onda de críticas e demissões pela cobertura de protestos a favor do movimento “Black Lives Matter” ocorreu na semana passada, com acusações crescentes de que jornalistas negros não recebem o mesmo tratamento que seus colegas brancos em muitos meios de comunicação americanos.

O editor das páginas de opinião do jornal The New York Times pediu demissão após a publicação de uma coluna escrita por um senador dos EUA, que pediu a mobilização dos militares nos protestos.

O editor-chefe do jornal Philadelphia Inquirer também renunciou após a indignação causada pela manchete “Os edifícios também importam”, referindo-se aos danos causados pela violência nos protestos.

Na Bon Appetit, uma revista de gastronomia de propriedade do gigante Condé Nast, o editor-chefe também se demitiu depois que uma foto sua, com o rosto pintado de preto, circulou nas redes sociais e acusações de que ele pagava menos a funcionários negros.

Situações semelhantes ocorreram em redações de todo o país o que levou os veículos a organizarem assembleias com seus funcionários e a emitirem declarações de solidariedade, pedidos de desculpas e promessas de mudança.

Muitos jornalistas negros começaram a tuitar sobre sua própria experiência pessoal no trabalho e os desafios em uma indústria dominada por homens brancos.

“Alguém mais é o único jornalista negro na redação?”, tuitou Akela Lacy, que cobre política no The Intercept. A jornalista de 27 anos, que começou a trabalhar para o jornal investigativo de esquerda depois de trabalhar para o Politico, disse à AFP que, embora a maioria das pessoas na mídia tenha boas intenções, a indústria “pode promover uma cultura hostil para pessoas que não são brancas “.

Questões como “abordagens problemáticas” e falta de intenção no uso de palavras permeiam uma indústria hierárquica dominada por brancos, disse ela.

Martin Reynolds, que copreside o Instituto Maynard, uma organização que promove a diversidade na imprensa, disse que o problema está enraizado em instituições jornalísticas históricas que fazem parte da cultura dominante e são “amplamente cúmplices na perpetuação de estruturas de racismo institucional, porque não as desafiamos explicitamente”.

Reynolds, ex-editor-chefe do jornal The Oakland Tribune, também indicou que a falta de diversidade nas redações está ligada à ausência de cobertura total da sociedade.

Cerca de três quartos dos funcionários das redações dos EUA são brancos, de acordo com dados de 2018 do Pew Research Center.

Diversidade inadequada pode ser particularmente problemática no dia a dia, disse Ken Paulson, ex-editor-chefe do USA Today, já que a mídia geralmente falha em cobrir adequadamente essas comunidades até que haja um escândalo de violência.

– “Um sistema estruturalmente racista” –

O jornal Pittsburgh Post-Gazette foi criticado esta semana por proibir uma negra de cobrir os protestos. A repórter ironizou os saques nos protestos em um tuíte que viralizou e o jornal entendeu que ela não seria capaz de escrever objetivamente sobre os incidentes.

A decisão mobilizou os funcionários que denunciaram o racismo na redação, mas o editor-executivo defendeu a decisão, citando “um antigo princípio ético jornalístico” que impede a divulgação de opiniões sobre questões de cobertura.

A jornalista no centro da controvérsia, Alexis Johnson, garante que foi vetada por tuitar sobre “um assunto negro”.

Reynolds questionou a lógica do jornal e disse que a noção de objetividade é uma “falácia”. Também indicou que a responsabilidade da imprensa é informar de forma justa e que isso exige algum viés pessoal.

A estrutura editorial, segundo Lacy, formatou a cobertura para se contentar com uma narrativa predominantemente branca.

“É preocupante para muitos de nós ver como o benefício da dúvida é continuamente concedido às pessoas que escreveram as regras”, disse.

Tanto Lacy quanto Reynolds esperam que os espinhosos debates que surgiram em algumas redações antecipem um futuro mais justo e equitativo.

“Imagine que tipo de país e mundo podemos ter se enfrentarmos essas questões estruturais que colocam em risco as pessoas de cor, enquanto também focamos em nossas instituições jornalísticas para que possam refletir melhor a diversidade do país e do mundo, e pare de defender um sistema estruturalmente racista”, disse Reynolds.