Depois do clima de “letargia” que dominou os parlamentares da base aliada ao longo desta terça-feira, 29, o governo conseguiu dar o primeiro passo para permitir um rombo maior nas contas públicas neste e no próximo ano. A Comissão Mista de Orçamento (CMO) aprovou no fim da noite o texto-base do projeto que altera as metas fiscais de 2017 e 2018 para déficits de R$ 159 bilhões nas contas do Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central. A comissão ainda apreciaria 17 destaques ao texto.

O próximo passo é a votação do projeto pelo plenário do Congresso Nacional, mas antes será preciso concluir a apreciação de vetos presidenciais que trancam a pauta. Se os parlamentares não votarem a tempo a ampliação no rombo do ano que vem, o governo terá de enviar no dia 31 um projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2018 ainda sob a meta antiga, que autoriza um déficit menor, de R$ 129 bilhões.

“A consequência de não votar meta amanhã (nesta quarta-feira, no plenário) é recepcionar Orçamento na quinta-feira em bases falsas, sabidamente frágeis. Temos responsabilidade nessa realidade fiscal que vivemos”, alertou o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), relator da mudança nas metas.

A equipe econômica trabalhou nos bastidores ao longo desta terça-feira na busca de apoio para avançar na votação, mas houve grande dificuldade. A corrida contra o tempo é porque são necessárias pelo menos 24 horas para finalizar o PLOA depois de aprovado o projeto que muda a meta.

Fontes da área econômica acreditam que será um “vexame” se for preciso propor um Orçamento com base em uma meta irrealista de déficit de R$ 129 bilhões – além disso, o corte de R$ 30 bilhões em despesas tornaria a peça orçamentária desde já inviável, promovendo um “shutdown” na máquina pública antes mesmo de o ano começar.

Para este ano, a alteração no objetivo fiscal vai significar um espaço extra de R$ 20 bilhões em relação à meta atual, de déficit de R$ 139 bilhões. Essa ampliação é necessária para que o governo consiga garantir as atividades da administração pública até o fim do ano. Hoje, há o risco real de um “apagão” da máquina caso a área econômica não consiga reverter pelo menos parte do corte de R$ 45 bilhões vigente no Orçamento de 2017.

Os trabalhos na CMO começaram oito horas depois do previsto, justamente porque o colegiado não poderia proferir nenhuma decisão enquanto o plenário do Congresso Nacional estivesse em sessão. Ao longo do dia, parlamentares tentaram articular a interrupção dos trabalhos no plenário para acelerar o projeto de mudança nas metas na comissão, até para dar uma sinalização positiva do esforço do governo com as pautas fiscais.

Mas o que se viu no Congresso foi um clima de “letargia”, conforme admitiu Pestana. A dispersão da base foi vista como demonstração de desarticulação do governo e ocorre em meio a uma nova viagem do presidente Michel Temer ao exterior. Segundo apurou o Broadcast, o descontentamento dos parlamentares com os vetos presidenciais à LDO de 2018 e até mesmo as idas e vindas das negociações em torno do programa de parcelamento de débitos tributários, o Refis, acabaram respingando na votação.

Outro parlamentar envolvido nas discussões reconheceu que os trabalhos no plenário foram dificultados pela base do governo. Segundo essa fonte, a brincadeira que era feita era a de que até a oposição foi mais colaborativa para dar andamento às votações no Congresso Nacional. Para o parlamentar, “tudo pegou” por trás do atraso no plenário do Congresso.

A demora na votação das novas metas preocupou o Planalto, que esperava mais respaldo na condução dos trabalhos pelo presidente do Congresso Nacional, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE). Ele é aliado do governo, mas acabou se deixando levar pela pressão da oposição, sem demonstrar muito esforço para apressar a votação dos vetos.

A preocupação do governo é votar a ampliação do rombo fiscal de 2017 e 2018 antes da próxima “flecha” contra o presidente Michel Temer. “Flecha” é como o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apelidou as denúncias no âmbito da Operação Lava Jato. Na avaliação de dois parlamentares ouvidos pela reportagem, se uma nova denúncia contra Temer chegar, “acaba tudo”.