Valeska Basílio tem 10 anos e está no 4.º ano do ensino fundamental. A família – mãe, padrasto e mais três irmãs, todas com a letra “v” – mora no condomínio Atibaia, no Jardim São Roberto, em Sapopemba, na zona leste de São Paulo, um local que vive sob risco de desapropriação desde 2013. O empreendimento foi invadido por cerca de 300 famílias que não têm onde morar. Ela não estava em casa no último confronto pela reintegração de posse. Ainda bem. Foi feio. Os moradores contam que vários móveis foram jogados no lixo. A polícia informa que cumpria medida judicial. Dias depois, as famílias voltaram. A situação difícil da menina de 10 anos encontrou no esporte um caminho para o presente e uma perspectiva para o futuro.

Ela é uma das alunas de ginástica artística do CEU Rosa da China em um projeto que facilita o acesso de jovens talentos aos clubes que praticam o esporte de alto rendimento no Brasil. Valeska quer ser ginasta. “Meu sonho é ser atleta e ganhar uma medalha”, contou.

A frase não é um devaneio como os desenhos de unicórnios que as meninas como Valeska desenham nos cadernos. É uma possibilidade. E bem real. Criado em 2012, o projeto chamado CEU Olímpico procura talentos esportivos na periferia da cidade a partir de uma parceria entre a secretaria municipal de Educação e alguns dos principais clubes poliesportivos de São Paulo. Os alunos que se destacam são encaminhados para os centros do esporte de alto rendimento, como Esperia, Círculo Militar e o Esporte Clube Pinheiros, uma das potências esportivas de São Paulo que negocia a sua inclusão na iniciativa.

Ambicioso, o projeto abrange 20 unidades do CEU em São Paulo com potencial de atendimento de 830 crianças. Os professores de Educação Física encaminham os destaques da turma para os clubes filiados. Em linhas gerais, o objetivo é garimpar talentos infantis e mirins nas mais variadas modalidades, minimizando deficiência histórica do esporte amador no Brasil: a formação de atletas das categorias de base.

O jornal O Estado de S.Paulo acompanhou as aulas de ginástica em Sapopemba, bairro presente na lista dos piores de São Paulo de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), medida comparativa de riqueza, alfabetização, educação, expectativa de vida, natalidade e alguns outros fatores. Um grupo de cerca de 25 alunas acompanha com entusiasmo e atenção a voz firme da professora Vanessa Gianolli. O ginásio tem infraestrutura perfeita: quase dá para perceber o reflexo das meninas no piso de madeira, de tão brilhante que é. No espelho de verdade, o reflexo é das atletas em formação que dificilmente fariam manobras com fitas e elásticos se não fosse aqui. Treinam como nos principais centros de formação esportiva da cidade.

Os pais participam de tudo, ajudam a levar os atletas nas competições e até costuram os uniformes da apresentação. Não existem fornecedores de material esportivo. São eles próprios e os professores que fazem as roupas para o dia das competições oficiais.

Aos 9 anos, Grace Kelly não perde uma aula de ginástica, são quatro por semana. Após dois anos de aulas, seu sonho de virar atleta se tornou o projeto de toda a família. Sua mãe é costureira e o pai trabalha com mármore. “Nós damos a maior força. Ela já é uma atleta”, disse dona Cleide. Em dezembro, quatro serão selecionadas para testes no Esperia, na zona norte de São Paulo, e no Serc (Sociedade Esportiva, Recreativa e Cultural) Santa Maria, em São Caetano do Sul (SP) – referência na ginástica.

Os atletas mirins podem participar de quase todas as modalidades: ginástica artística, rítmica, natação, judô, basquete, handebol, voleibol e futsal, entre outras. “Um dos objetivos é plantar a semente do esporte de alto rendimento em todas as regiões da cidade. Queremos motivar, iniciar e encantar. Se não forem atletas, serão cidadãos”, disse Maria Alice Zimmermann, diretora de Esportes, Corpo e Movimento da secretaria Municipal de Educação.

No CEU Heliópolis, o programa atrai cerca de 70 alunos no voleibol e levou mais 45 ao futsal. Nos anos anteriores, o forte era basquete e rúgbi. “No primeiro ano, corríamos atrás dos alunos, mas hoje os alunos estão procurando a atividade”, explicou Cleber Motizuki, analista de Esportes do CEU na zona sul de São Paulo.

Gustavo Nunes da Silva já conseguiu ir além. Depois de se destacar nas aulas de rúgbi na maior comunidade de São Paulo, ele foi convidado para ser atleta do Pasteur, um dos principais clubes brasileiros da modalidade. Hoje, ele defende a categoria até 17 anos, mas continua ajudando nas aulas do CEU Heliópolis, onde mora. Dá os primeiros passos para ser atleta.