O lobby pelo retorno da venda de bebidas alcoólicas nos estádios de São Paulo voltou a ganhar força nos bastidores da bola nas últimas semanas. O desejo pelo retorno da “cervejinha” nas arquibancadas foi abordado em recentes encontros envolvendo presidentes de clubes e autoridades de entidades importantes, como a Federação Paulista de Futebol (FPF) e o Governo do Estado. A necessidade de aumentar as receitas em dias de jogos é o principal argumento dos dirigentes. O assunto veio à tona em debate marcado pela questão da violência das torcidas.

A venda de bebidas alcoólicas nos estádios foi proibida no Estado há quase três décadas, pela Lei Estadual nº 9.470, de 1996, um ano depois da briga entre torcedores de Palmeiras e São Paulo, na decisão da Supercopa São Paulo de Juniores no Estádio Paulo Machado de Carvalho. O lamentável episódio ficou conhecido popularmente como a “Batalha do Pacaembu”, com um saldo de 102 feridos e um torcedor morto.

Apesar de não haver uma relação direta entre álcool e violência nos estádios, outras unidades federativas também proíbem estritamente a venda de bebidas alcoólicas em arenas esportivas. É o caso de Rio Grande do Sul, Goiás e Alagoas, enquanto Bahia, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Pernambuco, Ceará e Minas Gerais possuem regras específicas para a comercialização e consumo, tanto dentro quanto nos arredores de onde a partida está sendo disputada.

“Do ponto de vista legal, a vedação ocorre a partir de leis estaduais e não há nenhuma barreira constitucional, por exemplo. O que aconteceu foi que alguns Estados proibiram a venda de bebidas alcoólicas nos estádios por vincular esse consumo ao aumento da violência no futebol. Na prática, me parece que poucos Estados brasileiros ainda mantêm a proibição, o que representa um indicativo ou uma tendência. Nesse ponto é importante dizer que cada Estado é livre para legislar sobre a matéria e, por isso, se vê todas essas diferenças apontadas nos critérios”, diz Flavio Ordoque, advogado, diretor jurídico na Biolchi Empresarial e professor de pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho.

Em 2012, uma briga entre uniformizadas de Palmeiras e Corinthians terminou com dois mortos e outra solução radical foi tomada: os clássicos paulistas passaram a ser disputados com torcida única. Decisões como esta, porém, são questionadas por quem tem o futebol e o calor das arquibancadas como objeto de estudo. Para Raquel Sousa, Doutoranda em Ciências Sociais e especialista em Policiamento e Segurança em Eventos Esportivos pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), somente proibir a venda de cervejas e destilados é “ilógica” no que diz respeito ao combate à violência pelo fato de os torcedores poderem beber antes de entrarem no estádio, sem produzir “efeito prático”.

“Se a ideia é ter torcedores sóbrios para ter menos dificuldade na segurança, não é proibindo a venda que vão conseguir isso. Em um mundo hipotético em que não haveria vendas de bebidas alcoólicas dentro e fora do estádio, isso não resolveria o problema da violência, pois os torcedores que vão com o estrito objetivo de brigar, não fazem o uso de bebida alcoólica, por ela afetar o reflexo”, explica

“Casos de confusão são comuns quando há multidão, infelizmente. O que pode ser feito é um trabalho de educação dos clubes com o poder público com o objetivo de que as confusões não se tornem agressões ou violência física. Se pensarmos economicamente, os clubes ainda perdem parte do lucro arrecadado com as vendas dos bares”, ressalta.

OPORTUNIDADE DE RECEITAS

A oportunidade perdida pelos clubes de faturar com a venda nos bares citada por Raquel é o principal argumento de quem se movimenta pela volta das bebidas nos estádios. É o caso de Antônio Carlos Castanheira, presidente da Portuguesa, que amarga crise financeira e institucional. Para o dirigente, o futebol paulista não pode ficar à margem do assunto enquanto o consumo acontece livremente em shows, baladas e outras áreas públicas. “Fechamos um contrato com uma marca internacional e não tenho dúvida de que a demanda seria maior caso tivéssemos a liberação”, comenta.

Para Fábio Wolff, especialista em marketing e que atua com marcas junto a personagens esportivos, é necessário que exista um projeto caso isso aconteça. “A receita da cerveja é importante para todos que estão envolvidos com a operação do jogo. Entretanto, é preciso que, caso aconteça essa liberação, ocorra também uma campanha de conscientização dos torcedores para o consumo moderado, a fim de evitar eventuais ocorrências dentro dos estádios”.

O executivo Renê Salviano, da agência Heatmap, que atende empresas que atuam em estádios como Allianz Parque e Mineirão, também vê a liberação com bons olhos. Ele lembra que as arenas sempre possuem uma marca patrocinadora exclusiva de bebidas, e que os valores destes contratos mudam consideravelmente devido à proibição da bebida alcoólica.

“É importante entender o número de ocorrências antes e após a proibição e, assim, termos dados concretos sobre isso. Mas sou favorável, assim como acontece em outros segmentos de entretenimento, obviamente com suas normas de restrição a menores de idade”, aponta. Acredito que uma ideia bacana é inserir cláusulas, fazendo com que a marca fosse responsável de forma ‘recorrente e perene’ por campanhas de conscientização sobre o consumo excessivo de bebidas alcoólicas no dia a dia. Neste caso específico das arenas, poderiam aproveitar o gancho para, além de alertar sobre o perigo do consumo excessivo, orientar e educar também sobre as punições ao clube mandante quando jogam materiais no campo ou quando acontecem brigas e confusões”, alerta.

Já Eduardo Andreassa Baraldi, fundador e co-CEO da oddz network, holding de entretenimento, esporte e cultura, avalia que a liberação do comércio interno possubilita um melhor controle do ambiente ao redor do estádio e melhora a experiência do torcedor. “Permitir a venda interna possibilita o fã de se programar e ter um consumo espaçado durante todo o período em que estiver lá. E isso pode gerar uma menor aglomeração nos arredores do estádio. Além disso, em diversos países – inclusive sendo aplicado durante a Copa do Mundo -, há um controle dos horários de venda, limitando o consumo próximo ao fim do jogo, por exemplo. Existem diversas outras maneiras de controle possíveis, como restringir a venda para pessoas visivelmente alteradas. Um real controle das arenas e dos clubes, sem se preocupar somente com volume, pode amenizar brigas, crises na mídia e problemas com o Estado, evitando novas proibições.”

TENTATIVAS FRUSTRADAS

A manifestação pela volta das bebidas nas arquibancadas já ocorreu outras vezes, mas as tentativas foram frustradas. A que chegou mais perto ocorreu em julho do ano passado, quando a Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) aprovou um projeto de lei que liberou a comercialização nos estádios, mas a decisão foi vetada pelo então governador João Doria (PSDB). O veto por parte da Assembleia é constitucional, visto que o Estatuto do Torcedor não caracteriza quais bebidas estão proibidas nos estádios, dando aos Estados a adequação da legislação às peculiaridades locais.

Em fevereiro deste ano, o São Paulo ingressou com uma ação pedindo o reconhecimento do direito de comercializar bebidas alcoólicas no estádio do Morumbi, mas o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entendeu que a proibição era constitucional e seria mantida. Na ocasião, o desembargador Renato Sartorelli justificou que a liberação poderia aumentar os casos de violência entre torcidas apontando “efeito negativo do álcool sobre o comportamento humano”. Procurado, o clube preferiu não comentar o assunto.