Imagine se um time da capital paulista tivesse a cada rodada como visitante do Campeonato Brasileiro ter de encarar um voo de nove horas, como é o caso, por exemplo, do deslocamento de São Paulo até Orlando, nos Estados Unidos. Ou, pior ainda, precisar se submeter a um fuso de sete horas de diferença para disputar uma partida em Baku, no Azerbaijão. Parece absurdo para os nossos padrões, mas tais dificuldades são rotineiras para um time russo da segunda divisão. Localizado na fria e distante Sibéria, o Luch Vladivostok tem como um dos maiores orgulhos ser o clube que mais viaja no mundo.

País mais extenso do planeta, com um território que é dobro do tamanho do Brasil, a Rússia impõe ao Luch a cada partida como visitante um desafio logístico e geográfico. A equipe da cidade de Vladivostok, localizada no extremo leste, gasta nove horas no avião para viajar até Moscou, porém está a apenas duas horas de voo de Pequim e Tóquio. Já se o elenco quiser pegar a estrada e ir até a fronteira da Coreia do Norte, andaria menos de 300 km.

“O Luch tinha de jogar o Campeonato Japonês, e não o Campeonato Russo”, protestou em 2008 o goleiro e ex-capitão da seleção russa Igor Akinfeeev, ídolo do CSKA Moscou, ao reclamar de uma goleada sofrida em Vladivostok. Os times das principais cidades da Rússia detestam enfrentar o Luch por terem de encarar uma viagem longa e um fuso horário de sete horas à frente da capital do país.

Mas para quem joga no Luch, o drama de viajar é inevitável, pois a cada jogo é preciso ter espírito aventureiro. Dos 20 participantes da segunda divisão russa, 16 estão localizados na região oeste do país, em cidades que foram sede da última Copa do Mundo como Moscou, Kalingrado, Saransk e Volgogrado. O bravo time de Vladivostok só tem um “vizinho”, o SKA Khabarovsk, localizado a 800 km.

Por isso o próprio clube faz piada da situação. O site oficial mantém atualizada a contagem da distância percorrida, dos aeroportos visitados e dos voos realizados na temporada, assim como faz relatos bem humorados de cada viagem. O deslocamento mais longo da história do clube foi em abril deste ano, com 40 horas até chegar em Kursk. A epopeia teve dois trechos de trem, um voo e 11 horas de espera por uma conexão. Tudo isso em classe econômica.

Além da distância, o Luch sofre também pelo orçamento reduzido e pela limitação de voos disponíveis nas companhias aéreas. Por isso, mesmo se o destino é em uma cidade localizada no meio do caminho até Moscou, os jogadores acabam obrigados a irem até a capital russa para pegarem uma conexão. A falta de viagens em horários adequados e o preço alto de voos diretos atrapalham ainda mais o elenco.

BRASILEIROS – Os brasileiros que já vestiram a camisa amarela e azul do Luch se lembram com bom humor do desafio de defender a equipe. O atacante Diego Carlos, por exemplo, disse ter vivenciado momentos divertidos pelo clube em 2012. “Os jogadores faziam piada antes de cada viagem porque eram sempre nove horas no avião até Moscou e depois ainda tinha espera na conexão e mais outro voo de umas três horas. Uma vez uma viagem nossa de volta atrasou demais. Só chegamos na nossa cidade duas horas antes do jogo seguinte. Foi corrido”, contou o jogador, que atualmente está no Mumbai, da Índia.

Um dos maiores ídolos da torcida local é o atacante Nivaldo Ferreira. Agora no Gomel, da Bielo-Rússia, ele defendeu o Luch entre 2014 e 2016. Da cidade ele guarda boas memórias, como a bela paisagem da região costeira e os saborosos pratos de frutos do mar, porém sofreu com a rotina. “A gente jogava fora de casa e depois em vez de se recuperar do desgaste ou treinar, perdia alguns dias nas viagens para retornar. Era comum a equipe não conseguir descansar e se preparar para o jogo seguinte”, relembrou.

Por isso, para minimizar as idas e vindas, anos atrás a diretoria do clube resolveu colocar o elenco para morar em Moscou. O ex-meia Willer Souza, jogador do time em 2006, comentou o quanto era curioso ter uma concentração em uma cidade a cerca de 6,4 mil km de distância do estádio onde o Luch Vladivostok manda as partidas. “O time ficava em Moscou e se tinha jogo em Vladivostok, a gente procurava viajar o quanto antes para se acostumar ao fuso horário. Era difícil”, afirmou.

Depois de no último sábado jogar e perder em casa para o SKA Khabarovsk, o time terá uma maratona para a próxima rodada. No sábado o compromisso será a 6 mil km de casa contra o Mordovia, em Saransk. Uma das últimas idas à cidade, em 2017, o Luch levou 33 horas para chegar até lá. Boa viagem!