‘Clima de reeleição’ de Lula é possibilidade sólida ou retrato do momento?

Pesquisas recentes indicam cenários favoráveis à reeleição do petista

Marcelo Camargo/Agência Brasil
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

As pesquisas mais recentes sobre a eleição presidencial de 2026 indicam um cenário favorável à reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Divulgado na sexta-feira, 24, o levantamento Atlas/Bloomberg de outubro mostra o petista na liderança em todos os cenários testados e chegando a 51% de aprovação ao governo. O resultado reforça o otimismo interno que rege a base governista desde o começo do segundo semestre de 2025, quando a gestão emplacou vitórias políticas de peso.

A um ano do pleito, analistas avaliam que o atual momento reflete uma conjuntura política e econômica positiva para o governo, mas alertam que o quadro ainda não é definitivo. A falta de definição sobre a liderança no campo oposicionista – especialmente entre os bolsonaristas – e a ausência de um nome capaz de unificar a direita ajudam a explicar a estabilidade do petista nas pesquisas.

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Para compreender os fatores que explicam o desempenho de Lula e as possíveis mudanças no cenário até 2026, a IstoÉ conversou com o diretor de análise política da AtlasIntel, Yuri Sanches, e o doutorando em Ciência Política (Unicamp) Otávio Catelano.

Confira a entrevista completa:

IstoÉ: As recentes pesquisas sobre a eleição presidencial de 2026 indicam uma vantagem de Lula em todos os cenários, apontando para a reeleição. Faltando ainda um ano para a disputa, é possível enxergar esses índices como previsões confiáveis?

Yuri Sanches: Eu diria que sim, elas são confiáveis, olhando a conjuntura atual. Mas a conjuntura pode mudar bastante na política — uma semana faz toda a diferença. Como a gente viu no próprio episódio do tarifaço do Trump e do envolvimento de Eduardo Bolsonaro e expoentes bolsonaristas nessa medida dos Estados Unidos contra produtos brasileiros, eventos podem surgir a qualquer momento e impactar o cenário.

O cenário eleitoral que a gente tem atualmente, de primeiro e segundo turno, reflete muito a conjuntura atual.  Isso mostra que, nessa conjuntura, o governismo – o governo e Lula – está melhor posicionado em termos eleitorais. Ele está coeso em torno de uma candidatura que tem o poder de propor narrativas e pautas. Então há uma solidez maior no campo governista, que já chega para a eleição. A eleição foi bastante antecipada. A gente está há um ano da eleição, mas já se fala bastante sobre ela. Por isso, o governo chega nesse debate antecipado melhor posicionado, com mais clareza, tanto dentro do próprio campo quanto na cabeça do eleitor sobre quem representa o governismo.

Por outro lado, a gente tem, nessa conjuntura, um momento de bastante confusão no lado da oposição. Não há uma clareza sobre quem representa esse campo da direita. Com a ausência de Jair Bolsonaro, essa ala ficou sem um líder, sem uma cabeça que orientasse de maneira clara o posicionamento e a estratégia. Então, existem vários nomes, mais ou menos ligados ao bolsonarismo, que tentam se viabilizar para competir no ano que vem.

Otávio Catelano: Sim, a gente pode chamar esse índice de aprovação de um fator que indica previsão razoavelmente confiável sobre se a eleição será difícil para o que a gente chama de incumbente – o candidato à reeleição ou o partido que tenta eleger um sucessor.

Antigamente, esse era um indicador ainda mais confiável e tinha uma capacidade de previsão mais forte. Hoje em dia, com a alta polarização que a gente vive, já não se observam índices de popularidade tão elevados quanto os que víamos antes. O último caso desse tipo foi o de Lula, em 2010, quando ele deixou o segundo governo com mais de 80% de aprovação. Isso dificilmente se repete hoje, justamente por causa da alta polarização política e partidária na sociedade.

Atualmente, a popularidade tende a ter um teto – pouco acima de 50% – e é esse patamar que o presidente está conseguindo alcançar agora. Portanto, não é um índice que indique uma reeleição fácil, muito menos garantida. É, sim, um índice de popularidade que mostra que ele chega forte para a eleição.

O quanto as pesquisas de intenção de voto costumam, no geral, mudar ao longo dos meses pré-eleição? Quais são os principais riscos externos ou internos que podem alterar esse quadro favorável?

Yuri Sanches: As pesquisas eleitorais são pautadas muito pela conjuntura do momento. De uma forma geral, percebe-se uma certa estabilidade. Se a gente olhar para a “big picture” da eleição, da nossa série temporal, há uma estabilidade de Lula, numa liderança de certa forma confortável. Um candidato que representaria o bolsonarismo, como Tarcísio de Freitas, também aparece estável em cerca de 30% das intenções de voto. Abaixo deles, com menos de 10% das intenções de voto, surgem outros governadores de direita e outros candidatos postulantes.

Essa estabilidade existe porque ainda falta uma definição clara do cenário. Agora, quando olhamos para eventos ou riscos internos e externos, conseguimos perceber as nuances. A diferença de Tarcísio para Lula no segundo turno, por exemplo, chegou a ser muito pequena. Em vários momentos, Tarcísio chegou a liderar nas intenções de voto contra Lula. Mas eventos internos e externos acabaram impactando e mudando o jogo.

Por um lado, há o desempenho do governo em termos de pautas mais positivas: a aprovação da isenção do IR na Câmara, a distribuição de gás para a população de baixa renda, descontos em contas de energia, facilitação na retirada da CNH, e questões de justiça tributária. Além disso, indicadores econômicos apresentam melhorias sensíveis. Entre os riscos internos e externos, destaca-se a atuação da oposição. Vimos, por exemplo, Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos reivindicando parte da autoria do tarifaço de Donald Trump contra produtos brasileiros. Isso pegou muito mal, especialmente no campo da direita.

Isso se reflete nas pesquisas de intenção de voto, com Lula ampliando sua vantagem sobre Tarcísio e outros candidatos oposicionistas. A política é bastante dinâmica.

Otávio Catelano: As pesquisas de intenção de voto, antigamente, não costumavam variar tanto quanto variam hoje, especialmente nas eleições presidenciais. É claro que sempre existiram variações e flutuações importantes, mas elas eram causadas – ou acompanhadas – por acontecimentos igualmente relevantes.

Por exemplo, em 2014 tivemos a morte de Eduardo Campos e, em seguida, a ascensão e queda de Marina Silva durante o primeiro turno. Foi um período bastante turbulento. Mesmo assim, ao longo do primeiro turno, que na época era mais longo, houve uma certa normalização: as pesquisas foram voltando, aos poucos, aos níveis que mostravam cerca de um ano antes. Aécio Neves foi recuperando o espaço que Marina havia conquistado no início. Trago esse caso de 2014 porque ele é simbólico: foi um tempo de relativa normalidade, com uma flutuação alta, mas ainda dentro de limites.

Desde 2018, porém, as flutuações nas pesquisas eleitorais se tornaram muito mais intensas, porque o cenário está cada vez mais polarizado – e, pelo menos, um dos polos políticos tem se mostrado cada vez mais radicalizado.

A vantagem de Lula só se mostra apertada quando Jair Bolsonaro é considerado nas simulações – embora o ex-presidente esteja impedido de concorrer, ainda é o nome mais reconhecido da direita. Diante disso, a consolidação, nos próximos meses, de um novo nome representante do bolsonarismo pode ser um obstáculo para Lula?

Yuri Sanches: Sim, porque quanto mais clareza existir no campo oposicionista, especialmente do bolsonarismo, sobre quem é o candidato que vai representar esse eleitorado suspeito, anti-lulista, que desaprova o governo, melhor para eles. Quanto mais cedo houver essa clareza, essa decisão, melhor para construir uma candidatura.

Naturalmente, o que se leva em conta nos partidos e nos próprios candidatos é o desgaste que uma definição muito antecipada pode gerar. Esse candidato se abre a ataques de forma mais intensa e por mais tempo, já que estamos a cerca de um ano da eleição. Então, é uma oportunidade, mas ao mesmo tempo representa um risco. Não à toa, Tarcísio de Freitas escolheu dar um passo atrás, sair um pouco dos holofotes, ele se expunha em um momento bastante negativo para a oposição, sujeito a ataques e críticas que desgastavam sua imagem.

Existe, portanto, um balanceamento entre a necessidade de ter um nome e uma liderança claros e o risco de se expor precocemente a ataques que descredibilizem a candidatura. Quando houver um nome que represente essa parcela da população em termos ideológicos, partidários e de valores, esse candidato pode se tornar mais competitivo. Se tiver a bênção ou apoio formal de Jair Bolsonaro, ele parte de um piso de votos relativamente alto – cerca de 30% das intenções de voto do eleitorado. Caso consiga também conquistar uma parcela do eleitorado indeciso, que não é necessariamente petista, mas também não é bolsonarista, esse candidato se torna um adversário mais relevante para Lula.

Otávio Catelano: A gente tem um grupo político – o bolsonarismo – dentro da sociedade, que é muito grande e que ainda está sendo acomodado dentro do “mercado eleitoral”, vamos chamar assim. Isso gera muitas imprevisões.

Hoje, há vários fatores que indicam que as eleições de 2018 e 2022 não vão se repetir. Em 2018, tivemos a ascensão de Bolsonaro e, depois, o episódio da facada, que foi um acontecimento decisivo. Já em 2022, tivemos pela primeira vez uma eleição disputada por dois presidentes ou ex-presidentes. Isso resultou em um baixíssimo nível de indecisão eleitoral, porque todos já conheciam bem os dois candidatos. Agora, em 2026, tudo indica que teremos o bolsonarismo sem Bolsonaro pela primeira vez. Ainda há, portanto, muita flutuação a ser percebida pela frente, porque Bolsonaro ainda não indicou claramente seu candidato.

Mesmo assim, o bolsonarismo pode apresentar candidatos que são, entre muitas aspas, “outsiders”- não exatamente esse o termo ideal -, mas a ideia é que sejam bolsonaristas sem o aval direto de Bolsonaro. Pode acontecer, na eleição presidencial do ano que vem, algo semelhante ao que vimos na eleição para a prefeitura de São Paulo no ano passado: os eleitores bolsonaristas se identificavam muito mais com Pablo Marçal do que com o candidato apoiado por Bolsonaro, que era Ricardo Nunes. Isso pode se repetir na eleição presidencial – não necessariamente com esses nomes, mas com essa mesma dinâmica.

Há um elemento de expectativa interna no próprio campo lulista e da base de apoio sobre as chances de vitória no primeiro turno. Em sua avaliação, esse otimismo pode gerar um ciclo de confiança que fortalece a candidatura ou, ao contrário, posturas de complacência/omissão?

Yuri Sanches: Eu acho que essa expectativa, quando se olham os números de uma vitória no primeiro turno, pode causar tanto um ciclo de confiança, que fortaleça a candidatura, quanto uma postura um pouco arrogante, um clima de “já ganhou”, que pode prejudicar a campanha.

Ambos os cenários são plausíveis. E eu acho que o governo faria melhor se olhasse para esses números como um sinal, um retrato de que, sim, a onda é positiva – mas o jogo não está ganho. Ainda falta muito tempo para as eleições, ainda há muitas coisas a serem enfrentadas, e que vão impactar diretamente o resultado eleitoral. Há uma eleição propriamente dita a ser disputada. O momento de fragilidade da oposição agora, e de bonança para Lula, não está cristalizado nem consolidado de forma irreversível até o ano que vem.

Então, é necessário olhar com pragmatismo e não achar que a eleição está ganha, porque ainda falta um ano para a gente decidir quem vai ser o presidente.

Otávio Catelano: De todas as eleições presidenciais que tivemos desde a redemocratização, o PT já ganhou cinco e ficou em segundo lugar em todas as outras. E o PT nunca venceu no primeiro turno. Então, pode sim haver uma expectativa, mas, ao mesmo tempo, o partido nunca conseguiu levar de primeira – e, por isso, é experiente em trabalhar com a possibilidade de dois turnos.

Sabemos da importância de estar em primeiro lugar no primeiro turno, de quase atingir os 50%. O mais perto que o PT chegou de vencer no primeiro turno foi com Dilma, em 2010 – mais perto até do que Lula em 2022. E não apenas em termos de porcentagem, mas pela expectativa criada naquela época. Naquele momento, o PSDB era um adversário forte, mas Lula era um presidente muito popular, e conseguiria eleger Dilma se não fosse por alguns episódios daquela eleição, principalmente a questão do aborto. O partido se adaptou a esse tipo de competição. Sabe ganhar no segundo turno e, por isso, não adota uma postura de complacência ou omissão.

O PT sabe disputar eleição. É o partido com o maior número de eleitores identificados, e por isso sempre larga na frente dos outros. Construiu essa base desde a sua fundação e a cultiva até hoje. É um partido que está sempre muito forte na disputa eleitoral – e não pode ser subestimado. Acho que esse é o aprendizado que os adversários do PT ainda não conseguiram captar. Muitas vezes o partido foi dado como morto, mas todas as pesquisas e estudos sobre ele demonstram que o PT tem um ativo eleitoral muito importante: a sua identificação no eleitorado.