EM RISCO Lavoura de milho: prejudicada pela seca intensa provocada por temperaturas extremas (Crédito:Marccophoto)

O aquecimento global já é um fato. Teoricamente faltariam 0.4°C para o mundo alcançar o aquecimento de 1.5°C, temperatura limite que levaria o planeta a inundações, grandes secas, queimadas, entre outras consequências provocadas pelo calor ou frio extremos. Mas o que especialistas têm notado é que os efeitos do aquecimento global colocam em risco imediato a saúde das pessoas e a existência de outros tipos de vida. No futuro próximo – de 2030 a 2050 – há risco altíssimo de extinção de 9% a 14% das espécies de todos os ecossistemas. Na Amazônia Legal, estima-se a redução de 33% das pastagens e das culturas de soja. Na vida marinha, por exemplo, os mexilhões praticamente desaparecerão. Recentemente publicadas, essas informações fazem parte da segunda edição do Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), que mensura o impacto socioeconômico provocado pelo processo de aquecimento global.

O IPCC é um relatório produzido por 270 cientistas, que revisaram 34 mil pesquisas realizadas pelo mundo registrando os impactos das mudanças climáticas para o desenvolvimento humano e da biodiversidade. O relatório foi criado em 1988 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e pela Organização Meteorológica Mundial com o objetivo de prover o mundo de informações que pudessem orientar políticas públicas e ações de mitigação de problemas como os gases de efeito estufa, o grande vilão do aquecimento global. “O relatório traz evidências nunca vistas, revelando como o planeta está sendo derrotado pelas mudanças climáticas”, afirmou Antônio Guterres, secretário-geral da ONU. “Trata-se de um atlas do sofrimento humano e do fracasso da liderança sobre o clima.”

O documento é um glossário de quatro mil páginas, que descreve como as alterações dos ecossistemas estão impactando a saúde mental das pessoas; aponta para perdas irreversíveis; registra a vulnerabilidade cada vez maior das populações carentes; a perda de capacidade dos pulmões verdes do globo, como a Amazônia; e a pressão da urbanização, entre tantas outros verbetes. Guterres lembrou o quanto é essencial limitar os gases de dióxido de carbono a 45% até 2030 e atingir emissão zero em 2050. “Essa é a hora para a transição de energias renováveis.” Segundo ele, “as adaptações custam, mas podem salvar vidas.”

Desde a última edição, em 2014, o comitê científico ampliou a cobertura geográfica das pesquisas avaliadas, o que o levou a analisar 976 espécies de seres vivos. “Desse total, 47% tiveram populações locais extintas em épocas de temperatura recorde, sendo que a maior parte (55%) estava em regiões tropicais. Mas o ecossistema mais abalado foi o das águas doces, onde desapareceram populações inteiras”, diz a pesquisadora Mariana Vale, a única brasileira entre os 270 cientistas do IPCC (leia entrevista ao lado). “Infelizmente estamos vivendo tantas perdas. Primeiro foi a pandemia e agora é a guerra da Ucrânia. O relatório ficou ofuscado.”

Diminuição de abelhas

Importar-se com todo e qualquer tipo de vida não é apenas uma escolha ética. De acordo com Jean Ometto, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), “toda vida tem uma função no ecossistema”. Ele coordena a divisão de impactos, adaptação e vulnerabilidade da Terra, portanto segue de perto as mudanças do planeta. “Atualmente temos problemas de polinização, principalmente nas culturas frutíferas, devido à diminuição de abelhas, por exemplo”, diz. O pesquisador alerta que o clima e o meio ambiente devem fazer parte das políticas nacionais, mas também precisam pesar nas escolhas diárias das pessoas. Até porque não é apenas o aquecimento global que coloca vidas em risco. Nessa semana, uma das mais importantes revistas científicas, Scientific Report, da Nature, publicou estudo de pesquisadores brasileiros que comprovaram a morte de araras-azuis pelo consumo excessivo de agrotóxicos presentes nas lavouras do Pantanal.

“Precisamos de uma mudança radical”

Professora da Universidade Federalndo Rio de Janeiro, a pesquisadora Mariana Vale (foto abaixo) adverte que peixes já estão fugindo do calor das regiões tropicais

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Esperava um resultado tão negativo?
Infelizmente sim. O IPCC produz relatórios há 30 anos. Nesse período não houve nenhuma tomada de decisão para redução dos gases de efeito estufa, que é o cerne do problema. Há muitos anos a comunidade científica aponta que o aumento médio da temperatura global de 1.5 graus seria o limite de tolerância para os sistemas naturais. Nem chegamos a esse marco e já vemos as consequências. Precisamos de uma mudança radical no modo de vida e consumo para não chegar às piores previsões.

O relatório mostra que peixes e moluscos serão afetados. O que acontecerá com eles?
Muitos são os grupos ameaçados pelas mudanças climáticas. Espécies tropicais de peixes estão migrando para regiões temperadas, fugindo do calor excessivo. Antes, as zonas tropicais tinham maior diversidade marinha do que as temperadas. Isso terá um impacto grande nas atividades pesqueiras industriais e artesanais.

O IPCC aponta para uma redução de até 96% dos moluscos. Por que tamanho impacto?
Principalmente porque os moluscos com concha, caso do mexilhão, são suscetíveis à acidificação dos oceanos, causada pelo CO2 da atmosfera. Ela provoca doenças e também compromete o metabolismo do cálcio, fundamental na composição da concha, que é uma espécie de esqueleto externo. Sem a concha, o molusco não sobrevive.