Para mais de uma geração, Funny Girl é sinônimo da atriz e cantora americana Barbra Streisand. Foi ela que, aos 22 anos, estrelou em 1964, na Broadway, o espetáculo com texto de Isobel Lennart, músicas de Jule Styne e letras de Bob Merril que, quatro anos depois, ganhou adaptação para o cinema dirigida por William Wyler (1902-1981).

Mas, na verdade, essa garota é Fanny Brice (1891-1951), atriz e cantora de origem judaica, que, contrariando as convenções do seu tempo, se consagrou como uma das artistas mais populares dos Estados Unidos.

Sob a direção de Gustavo Barchilon e versão brasileira assinada por Bianca Tadini e Luciano Andrey, o musical Funny Girl estreou na sexta, 18, no Teatro Porto. Na pele da protagonista, a atriz e cantora Giulia Nadruz, de 32 anos, encontra o papel mais desafiador em uma década e meia dedicada ao gênero. Ao lado dela, o ator Eriberto Leão interpreta Nicky Arnstein, o grande amor de Fanny, jogador compulsivo, que provoca na personagem sentimentos contraditórios, como o despertar de uma autoestima e a dependência psicológica que quase a joga na lona.

ANACRÔNICO

Na infância, Barchilon, de 31 anos, conhecia de cor os sucessos de Barbra Streisand, ouvidos com frequência pelos pais nas reuniões familiares. Com o passar do tempo, o diretor ficou intrigado com o motivo que fez o musical Funny Girl cair no esquecimento nos teatros de Nova York ou Londres. A peça só voltou a ser montada no ano passado.

“Entendi que a evolução do comportamento feminino derrubou Funny Girl e o enfoque dado em 1964 ficou anacrônico e machista”, diz Barchilon. Para ele, a protagonista é uma mulher que fez algo impossível no seu tempo, tornar-se uma artista poderosa no terreno da comédia, então dominada pelos homens.

Na versão original, porém, ela era tratada como uma jovem feia, que só pensava em se casar e se humilhava diante do sujeito por quem se apaixona.

“Os clássicos são fundamentais, mas é importante revisá-los, sem que a essência se altere”, justifica o diretor. “Basta mexer em uma ou outra palavra que tudo ganha um sentido mais adequado aos dias atuais.”

Um exemplo é a relação de Fanny com a mãe, Rose (interpretada por Stella Miranda), que, no original, era abusiva e, agora, se torna cúmplice e compreensiva. O papel de megera foi transferido para a tia, Senhora Strakosh (vivida por Nábia Villela), que chama a sobrinha de feia e solteirona.

VIDA REAL

Barchilon, que acabou de dirigir Alguma Coisa Podre e está em cartaz com Bob Esponja, defende a humanização dos personagens para que eles criem uma proximidade com o público e promovam uma inovação no gênero, com tipos profundos e conectados à vida real. “Vejo musicais em que o elenco canta e dança muito bem, mas as interpretações são frágeis”, ressalta. “A gente deve ficar alerta para uma inovação ou os musicais vão se esgotar porque fica tudo com cara de teatro infantil.”

Um ator que valoriza cada cena, segundo Barchilon, é Eriberto Leão – que, pela primeira vez, participa de um musical da Broadway. Tendo morado em Nova York entre 1992 e 1994, ele era espectador assíduo das produções americanas e só a ópera-rock Tommy ele viu dez vezes. Por aqui, ele cantou em Ventania (1996) e Alma de Todos os Tempos (1999), dirigidos por Gabriel Villela, e, em 2016, protagonizou o musical Jim, sobre o líder da banda The Doors, Jim Morrison (1943-1971).

Mas o processo de um musical da Broadway, como Funny Girl, é totalmente diferente – e Leão confessa que, no começo, estranhou um pouco o ritmo. “É tudo compartimentado, você tem o diretor-geral, o diretor musical e o diretor de movimento, coisa diferente de tudo o que já fiz”, argumenta. “Mas é bom aos 51 anos ainda aprender formas diferentes de trabalhar.”

CARÁTER DUVIDOSO

O artista reconhece que Nicky Arnstein, representado no cinema por Omar Sharif (1932-2015), é um sujeito tóxico, mas preferiu reforçá-lo como um outsider, um ser solitário, mesmo que tenha um inegável caráter duvidoso. “Se você fosse um cavalo, eu apostaria em você”, diz o personagem, logo depois de ouvir Fanny Brice cantar pela primeira vez e reconhecer nela uma grande estrela.

Fácil a protagonista se apaixonar assim, não? Só que este homem galante é livre, habituado a um mundo de apostas, jogos ilegais e prostituição e, logo, começa a machucar sua mulher.

Giulia Nadruz tem uma explicação para a dependência de Fanny em relação a Nicky. “Ela foi se empoderando, se transformando no arquétipo de uma rainha, e o Nick era o estereótipo do rei que ela buscava. Elegante, sedutor, cheio de contatos”, explica a atriz. “Só que ela demora a enxergar seus defeitos e fragilidades e se atrapalha para entender como uma mulher que conquistou tantas coisas pode ser ligada emocionalmente a um homem como ele.

Funny Girl

Teatro Porto.

Alameda Barão de Piracicaba, 740, Campos Elísios.

6ª, 20h; sáb., 16h30 e 20h;

dom., 15h30 e 19h.

R$ 50 a R$ 250. Até 8/10.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.