Com poucas provisões e munições, amputações realizadas em uma clínica improvisada e cadáveres se acumulando, combatentes e civis resistem em Azovstal, a gigantesca siderúrgica da cidade ucraniana de Mariupol, enquanto a Rússia aumenta seu controle sobre o último foco de resistência.

“Render-se não é uma opção porque a Rússia não está interessada em nossas vidas”, disse Ilya Somoilenko, oficial de inteligência do batalhão Azov, durante uma entrevista coletiva transmitida neste domingo por vídeo.

“Nós, todos os militares da guarnição de Mariupol, testemunhamos os crimes de guerra perpetrados pela Rússia, pelo exército russo”, acrescentou.

“Todos os nossos suprimentos são limitados. Ainda temos água. Ainda temos munição. Temos nossas armas pessoais. Lutaremos até que a situação seja resolvida da melhor maneira possível”, declarou Samoilenko, que falou em ucraniano e inglês durante a conferência.

Calcula-se que cerca de 200 civis continuam em Azovstal, junto com as unidades ucranianas determinadas a resistir.

Detalhes da defesa e os esforços desesperados para tratar os feridos foram relatados pela médica militar Yevgenia Tytarenko, cujo marido e colegas permanecem presos na usina.

“Muitos soldados estão em estado grave. Estão feridos e sem remédios. Comida e água estão acabando”, disse Tytarenko, que continua em contato com pessoas dentro de Azovstal.

“Vou resistir até o fim”, escreveu Mikhailo, marido de Tytarenko, em uma mensagem de texto que ela mostrou à AFP.

Há semanas, as forças russas atacam a siderúrgica por terra, ar e mar na tentativa de romper suas defesas.

Os comandantes se despediram de seus entes queridos enquanto as forças russas intensificam o cerco, segundo Tytarenko.

“Os comandantes já se despediram de suas esposas. Um deles escreveu para sua esposa: ‘não chore. Voltaremos para casa, vivos ou mortos'”, disse Tytarenko.

Ela narrou uma operação complexa e caótica dentro de Azovstal, onde soldados lutam contra os russos enquanto transportam civis para outras partes da fábrica, bem como os corpos das vítimas.

Sem refrigeração, os corpos foram embrulhados em sacos plásticos e se decompõem, mas os combatentes estão determinados a evitar que caiam nas mãos das forças russas.

– Sangue e aço –

 

Para Tytarenko, a guerra teve um preço devastador. A mulher de 34 anos fugiu de Mariupol em 24 de fevereiro, quando a Rússia lançou sua invasão e começou a bombardear a cidade portuária.

O ataque aconteceu dois dias depois que ela se casou com Mikhailo, também médico, que pressionou sua esposa grávida a ir embora quando os russos começaram a bombardear Mariupol.

Seus colegas médicos ficaram para trás e montaram uma clínica improvisada na usina de aço fortificada, depois que as forças russas atacaram hospitais em Mariupol, de acordo com Daviti Sulemanashvili, um combatente da Geórgia.

Assim como o marido de Tytarenko, Suleimanashvili é membro do regimento Azov, um antigo batalhão de extrema-direita que se tornou unidade da guarda nacional conhecido por seus combatentes durões, que lideraram a defesa da siderúrgica.

Suleimanashvili disse que foi tratado na clínica em março depois de ser ferido em um ataque de tanque durante uma batalha nas ruas de Mariupol.

Foi lá que a perna esquerda de Suleimanashvili foi amputada, enquanto os médicos corriam para tratar outros feridos no centro, que carece de saneamento básico, equipamentos médicos e aquecimento.

Suleimanashvili foi um dos poucos evacuados de Mariupol por três helicópteros ucranianos que romperam as defesas aéreas russas no final de março.

Duas outras tentativas foram frustradas pelas forças russas. “Foi um milagre, só vi coisas assim em filmes”, contou sobre sua evacuação.

– Resistência final –

 

Mas apesar do horror dentro de Azovstal, alguns acham insuportável estar do lado de fora.

Rolana Bondarenko disse que muitos de seus amigos próximos e combatentes estão entre as centenas de pessoas que ainda estão na siderúrgica.

Junto com seu filho, a mulher de 54 anos foi uma das primeiras a se juntar ao regimento Azov quando foi fundado em 2014, depois que a Rússia anexou a Crimeia e a ascensão de uma insurgência apoiada por Moscou no leste da Ucrânia.

Bondarenko contou que um dos muitos corpos dentro de Azovstal é o de seu filho, que morreu em abril.

“Ele está em um saco preto, apodrecendo. E não só ele, há centenas de outros”, disse Bondarenko por telefone da Alemanha, onde se estabeleceu no ano passado para continuar seu tratamento médico.

Mas mesmo depois de perder seu filho, Bondarenko continua a apoiar seus companheiros combatentes que resistem aos russos. Todos os dias envia mensagens para seus amigos para ajudar a animá-los.

Ainda assim, muitos dos combatentes em Azovstal perderam entre 15 e 20 quilos nas últimas semanas devido à falta de comida, segundo Bondarenko.

“Eu gostaria de estar com eles agora”, disse entre soluços. “Se eu morresse lá, estaria com minha família.”