11/07/2023 - 16:46
O ex-presidenciável Ciro Gomes (PDT) voltou à cena nacional anunciando o lançamento de uma newsletter semanal (“O Brasil desvendado”) na qual analisará a política e a economia brasileiras. Após um período de afastamento dos holofotes depois das eleições de 2022, na qual terminou em quarto lugar, a iniciativa mostra a intenção do ex-ministro em manter-se presente no debate público do país.
Estou muito feliz em compartilhar o lançamento da minha newsletter: O Brasil Desvendado!
Venha comigo e acompanhe um espaço de opinião independente, onde teremos a oportunidade de analisar o que acontece no país. Conto com você! #NewsletterdoCiro
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— Ciro Gomes (@cirogomes) July 10, 2023
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Neste ano, Ciro já havia participado de algumas discussões políticas e eventos nacionais e internacionais, como uma palestra na Universidade de Lisboa e outra na sede da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Ceará (OAB-CE), mas afirmou que pretende contribuir agora apenas com análises e que não pretende mais ser candidato à Presidência.
“Há nitidamente um desejo do Ciro de permanecer no debate público. Creio que essa é uma forma de não desaparecer em meio a um governo do PT, partido com o qual ele rompeu, e a uma oposição bolsonarista, com a qual ele nunca se alinhou. É um pouco parecido com o movimento que o Alckmin (PSB) fez ao aparecer em programas de televisão como médico após uma derrota difícil na campanha de 2018”, afirma Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper.
Inelegibilidade e terceira via
Embora ainda estejam distantes, as eleições de 2026 já geram algumas especulações, especialmente devido à recente inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) declarada por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A ação de investigação judicial eleitoral (Aije), movida pelo PDT, partido de Ciro, resultou no impedimento de Bolsonaro se candidatar e votar por oito anos.
Esse fato tem criado discussões sobre quem será o “herdeiro” do bolsonarismo e se esse vácuo poderia gerar espaço para o surgimento de uma possível terceira via. “Há possibilidades para o surgimento de uma terceira via porque existem pesquisas que mostram um cansaço da população com os dois principais polos (PT e bolsonarismo). A inelegibilidade de Bolsonaro também abre um espaço importante porque, caso não surja uma nova liderança que ocupe esse lugar na extrema-direita, isso poderia criar uma oportunidade para que a centro-direita se reposicione na oposição ao petismo”, avalia Consentino.
O cientista político e sociólogo, Antonio Lavareda, diz que a situação de Bolsonaro abre um grande espaço no espectro político do centro até a extrema-direita, que poderia ser ocupado por candidatos com perfil mais próximo da centro-direita liberal, como os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo; Ratinho Júnior (PSD), do Paraná; Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás; Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais; e Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul.
“Zema talvez seja atraído pelo PL e ocupe um espaço mais próximo da extrema-direita onde se encontra o ex-presidente Bolsonaro e talvez tenha a benção dele e da família para se apresentar como sucessor do ex-presidente em 2026”, analisa Lavareda. Consentino lembra também que Lula, embora já esteja se mostrando como possível candidato à reeleição, estará bastante idoso e pode não concorrer, o que abriria também possibilidades dentro do flanco da esquerda e centro-esquerda.
A polarização como barreira
Embora haja o desejo por parte da população, indicado por estudos de opinião, e a disposição de políticos de ocuparem esse campo amplo da chamada terceira via, desde o período pós-redemocratização o Brasil tem sempre se dividido entre dois polos. Esses polos, entretanto, mudam ao longo do tempo e nem sempre são equivalentes, como a atual polarização marcada pelo PT, representante da centro-esquerda, e pelo bolsonarismo, ideologia de extrema-direita.
“Desde 1994, quando se estabelece a polarização, nós sempre tivemos alguém tentando ser uma terceira via. Tivemos Enéas (antigo Prona), Heloísa Helena (Rede), Garotinho (União Brasil), e o próprio Ciro, que em 2002 chegou a ter 28% de intenções de voto e poderia ter pegado o lugar de oposição ao PSDB em vez de Lula”, explica Joyce Martins, professora de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Naquela época, porém, a disputa se dava entre dois partidos de centro (PT, à esquerda, e PSDB, à direita) e as pessoas e os políticos tinham vergonha de se autointitularem de direita devido ao fato do país ter saído, poucos anos antes, da ditadura civil-militar que governou o país durante 21 anos. “Sendo assim, a polarização que se dava não era entre esquerda e direita”, explica a professora. “Em 94, o Fernando Henrique Cardoso (PSDB) chegou a se apresentar como uma ‘esquerda moderada’ em contraposição ao PT”, diz.
Após uma série de eventos que abalaram o país, como junho de 2013 e a operação Lava Jato, a classe política tradicional brasileira caiu em descrédito e, navegando nessa onda, Bolsonaro e o bolsonarismo, com seu discurso antissistema e antipolítica, tomaram o lugar do PSDB na polarização e arrastaram o debate político para o campo da direita mais radical.
“Provavelmente o que acontecerá será a construção de lideranças pelo marketing político para ocupar o lugar de Bolsonaro, que ficará como alguém que foi ‘injustiçado’. Portanto, é difícil pensar que algum candidato de terceira via, olha o cenário atual, teria sucesso. Até hoje nenhum conseguiu”, afirma a professora.
Possíveis caminhos para Ciro
Diante da análise do passado político brasileiro recente e do que até agora se desenha no cenário futuro, Ciro Gomes poderia encarnar essa possível candidatura de terceira via? Segundo os especialistas entrevistados pela IstoÉ, há uma possibilidade, embora ela seja muito remota.
“Ciro Gomes atrai parte do eleitorado da direita, pois é preciso lembrar que parte dos seus eleitores já foi cerrar fileiras com Bolsonaro no primeiro turno de 2022 e provavelmente ele poderia recuperar esses eleitores. Agora existe uma dificuldade para avançar mais nesse espaço porque ele é visto como um nome do PDT, fiel às posições brizolistas, nas quais o nacionalismo tem um peso importante, e a direita liberal mais avessa ao intervencionismo do Estado na economia provavelmente não o acolherá como seu representante”, afirma Lavareda.
Enquanto isso, no campo da esquerda, para avançar Ciro encontra um “paredão” representado pela presença do presidente Lula, que já acenou com a possibilidade de se candidatar à reeleição.
“É preciso ter condições sociais e políticas para se produzir uma candidatura, não basta querer. Até o momento o Ciro não tem essas condições porque a grande força que ele tinha era o Ceará, que ele perdeu. O ambiente teria que mudar muito para que ele se viabilizasse. Teríamos que esperar muitos erros do governo Lula, muitas punições aos bolsonaristas e que as pessoas estivessem em um terreno mais racional, no qual argumentos pudessem ser discutidos para tentar atrair os eleitores. Nós não estamos em um momento racional, mas em um ambiente guiado por valores morais muito mais do que por valores econômicos e políticos”, avalia Martins.
Embora se apresente cético em relação a uma possível candidatura do ex-ministro, Consentino defende que, se Ciro quiser voltar a ter possibilidades de disputa, terá que se reinventar politicamente. “Ele é uma liderança que poderia reconstruir sua trajetória no seu estado, o Ceará, mostrando predicados importantes para daí reassumir uma trajetória nacional. Acho difícil ele continuar com a postura de ser apenas candidato a presidente e se viabilizar para 2026 sem estar ocupando cargo algum nos últimos tempos e se indispondo com os dois lados da polarização. Ele precisa reposicionar a carreira política voltando para o Ceará”, conclui.