Há quase 16 anos, o então candidato à Presidência da República pelo PPS, Ciro Gomes, teve que divulgar uma nota oficial para explicar uma frase dita em um jantar com 30 empresários na casa do amigo Ricardo Steinbruch, do Grupo Vicunha: “O mercado que se lixe”. Naquele mesmo ano, em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva pavimentou o caminho para o Palácio do Planalto e acalmou o mesmo mercado com a Carta ao Povo Brasileiro, na qual se comprometia a “cumprir contratos” e manter a diretriz econômica em vigor. Lula venceu a eleição com o apoio de Ciro no 2° turno.

Em 2018, o petista – condenado e preso desde abril na Operação Lava Jato – e o ex-governador do Ceará, agora no PDT, novamente se apresentam para a corrida presidencial. Mas Ciro é o único que tem se dedicado a construir pontes com as elites financeira e empresarial do País. O ex-governador, que foi ministro da Fazenda de Itamar Franco, tem feito um esforço explícito para afastar a imagem de imprevisível e explosivo e ser bem recebido em círculos identificados com o pensamento econômico liberal.

“O Ciro está mais aberto a escutar e menos voluntarioso”, disse ao Estado o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade. O empresário mineiro teve recentemente uma longa conversa com o pré-candidato do PDT. Os dois concordaram na necessidade da promover uma reforma da Previdência e o ajuste fiscal – mas não tocaram em um ponto nevrálgico: a reforma trabalhista.

Andrade conta que “ouviu pela imprensa” que o pré-candidato do PDT defende sua revogação. “Não sei é influência do PDT ou do Carlos Lupi, mas isso é totalmente fora de propósito”, disse o presidente da CNI.

Ciro foi em abril o único representante da “esquerda” em um evento que reúne anualmente a direita intelectual e empresarial mais engajada: o Fórum da Liberdade, organizado pelo Instituto de Estudos Empresariais (IEE) – fundado há 30 anos em Porto Alegre e que tem como objetivo formar líderes empresariais e difundir conceitos de economia de mercado e livre iniciativa.

Entrevistado no evento, que teve o juiz Sérgio Moro como maior estrela, Ciro afirmou que não considera Lula um preso político. Ganhou pontos.

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Ex-ministro da Integração Nacional do petista, Ciro foi também na semana passada o único presidenciável do seu campo político a visitar a Agrishow, a principal feira agropecuária do País, em Ribeirão Preto. Visitou estandes de empresas, fez discursos e lembrou que a senadora Kátia Abreu, ex-presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e recém filiada ao PDT, estará na linha de frente das propostas de sua campanha para o setor.

Ciro também foi recebido no Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) – que reúne atualmente 50 empresários representantes de grandes empresas nacionais – e por federações empresariais nos Estados por onde passou. Deu também palestra remunerada para uma agência de investimento e participou de diversos encontros privados com empresários de vários setores.

“Ciro está aberto a ouvir opiniões de todos os segmentos. Ele quer ouvir o setor bancário para discutir a redução do spread. A taxa de juros não pode ser fixada por decreto. É consequência”, disse o economista Mauro Benevides Filho.

Formado em economia na UnB e com doutorado na universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, Benevides, que foi secretário da Fazenda do Ceará por 12 anos, e é o responsável pelas diretrizes econômicas de Ciro.

O filósofo Roberto Mangabeira Unger continua no time, mas foi Benevides Filho quem assumiu a interlocução com o mercado e tem rodado o Brasil para cumprir a missão. O economista se apresenta sempre com o mantra: o ajuste fiscal não pode ter ideologia e Ciro não representa risco de ruptura.

Quando o assunto é a reforma trabalhista, porém, os apoiadores de Ciro admitem que o pré-candidato do PDT tem na proposta de revogar a reforma trabalhista – caso eleito – um calcanhar de Aquiles na tentativa de ser palatável aos setores financeiros e empresariais. Para Benevides Filho, “Ciro compreende que existem novas formas de trabalho – em casa, à distância – e tudo isso precisa ser regulamentado em uma nova reforma”.

Outro economista que aderiu ao projeto do pedetista, o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser Pereira, reconhece que a proposta de revogar a reforma trabalhista é um obstáculo nas conversas com o PIB. “Essa proposta da lei trabalhista é realmente contraditória.”.

Ciro e Bresser se aproximaram em 2016 após uma palestra do ex-ministro na Fundação Getúlio Vargas. Em seguida foram jantar e discutiram longamente a tese de Bresser sobre o “novo desenvolvimentismo”. Algum tempo depois, o economista promoveu outro jantar, mas dessa vez também chamou o petista Fernando Haddad.

O trio se reuniu novamente na semana passada no escritório de Delfim Neto. “Ciro às vezes diz o que não devia. É politicamente incorreto, mas no plano das decisões nunca foi ‘porra louca’. É um candidato de centro-esquerda, não de esquerda. Sabe que estamos em um regime capitalista e que precisa governar com empresários”, disse Bresser.

Paulistano. Em fevereiro de 2015 o mundo político acreditou que Ciro Gomes, então no PROS, estaria fora das eleições de 2018 quando ele aceitou um convite do amigo Benjamin Steinbruch para trabalhar na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em São Paulo.

O ex-ministro trocou as articulações político-partidárias por um polpudo salário na iniciativa privada. E mudou-se para a capital paulista, longe de sua base eleitoral, o Ceará.


Em maio de 2016, porém, deixou a empresa para, segundo ele, evitar que “perseguições” políticas do presidente Michel Temer prejudicassem seu trabalho à frente da Transnordestina, subsidiária da CSN que era presidida por ele. Mergulhou novamente na política a passou a dividir-se entre sua casa em Fortaleza e o apartamento do filho na capital paulista.

Ciro já escolheu um local na Avenida Rebouças para abrigar o comitê central de sua campanha. Ele disse em entrevista ao Estado que procura um “nome da produção” do Sudeste para ser seu vice e revelou que já conversou longamente com o mineiro Josué Gomes, da Coteminas.

O ex-chefe Benjamin Steinbruch continua sendo um amigo frequente e interlocutor com o empresariado. Em maio, o empresário, que é vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), vai assumir a presidência da entidade quando Paulo Skaf deixar o cargo para disputar o governo paulista.

Ao resumir o desafio de Ciro e seu périplo pelo mundo empresarial, Bresser pega emprestada uma citação de Michel Rocard, ex-primeiro ministro socialista da França. “Para um partido de centro-esquerda, social democrata, governar o capitalismo, eu cito uma frase: o desafio dos socialistas é governar o capitalismo com mais competência que os capitalistas”. Ciro está empenhado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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