Num cenário de forte reação da sociedade civil organizada aos arroubos autoritários de Jair Bolsonaro (PL) e à ameaça de um golpe contra a democracia, Ciro Gomes (PDT), terceiro colocado nas pesquisas de intenção de voto na corrida presidencial, segue colocando no mesmo balaio de acusações de fascismo os dois primeiros colocados na disputa – numa falsa simetria, como se Bolsonaro e Lula estivessem em polos extremos, no limite da violação da institucionalidade, apenas com sinal trocado. “Se Lula ou Bolsonaro vencerem, só vai aprofundar o que está aí: país dividido. Ódio, paixão e morte de inocentes”, disse o pedetista em recente entrevista ao Valor.

Para ilustrar o “fascismo” de Lula, falou sobre as articulações do petista junto a caciques do MDB, como Renan Calheiros, para desidratar a candidatura de Simone Tebet (MDB) à presidência. “O que Lula está fazendo com a Simone Tebet, de tirar o direito de a pessoa ser candidata, faz dele um fascista quase tão grave quanto o Bolsonaro. E pronto, é isso que eu penso”, reafirmou o pedetista.

De Lula pode-se dizer muita coisa, mas não que ao longo dos seus oito anos de governo, de 2003 a 2010, a democracia tenha sido ameaçada. Não seria agora, tendo o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB) como vice, que o petista flertaria com o fascismo. A própria união dos dois, outrora adversários, numa chapa única, é fruto de muita conversa, de muita negociação – enfim, do pleno exercício da política.

“O que o Lula está fazendo é simplesmente política, coisa que o Ciro faz desde que nasceu, mais ainda quando virou político profissional, e que não tem nada de errado, e ele sabe disso”, diz a cientista política Carolina Botelho, do Doxa/Iesp/UERJ e do Mackenzie. É do jogo, é legítimo – e os Ferreira Gomes fazem exatamente isso há décadas no Ceará. Ciro e seu irmão, o senador Cid Gomes, já governaram o estado, e o caçula Ivo Gomes é prefeito de Sobral.

“Ciro sabe muito bem que fascismo pressupõe eliminação do adversário político. E eliminação não do campo da disputa política; eliminação da vida mesmo, do planeta. É prender, eliminar, tirar, limitar, cercear o direito do adversário de exercer sua vida política”, destaca. O que definitivamente não é o caso, já que o que Lula está fazendo é do jogo político – por meio da persuasão, excluir da disputa, dentro das práticas democráticas, aqueles que poderiam ameaçar suas pretensões eleitorais, exatamente o caso de Simone Tebet.

A própria emedebista, aliás, já deixou claro que, na sua avaliação, quem de fato ameaça a democracia é Bolsonaro, ao comentar o assassinato de um militante petista no Paraná por um bolsonarista que entrou atirando em uma festa de aniversário. “Quem incentiva a violência política é Bolsonaro. O que os bolsonaristas fazem nada mais é do que a repetição da orientação do líder máximo deles”. É dele, aliás, a política de armamento da população – e também a frase “vamos fuzilar a petralhada”.

Mesmo assim, Ciro segue dizendo que não pretende se posicionar da disputa a não ser para defender a própria candidatura, como se não enxergasse que a discussão, hoje, se dá entre fascismo e democracia. Há 40 anos na vida pública, tem um importante histórico de contribuição para o debate público e a política brasileira. Lamentável, portanto, que metaforicamente permaneça em Paris, cidade na qual se refugiou entre o primeiro e o segundo turno da eleição de 2018 para não se posicionar politicamente. Lamentável que não tenha aprendido nada com aquela movimentação, que representa uma mancha indelével em sua biografia, e que de forma absolutamente consciente opte por repetir o erro.