Ciro Gomes ainda é presidenciável mas já fala como presidente. Ele declarou que, se estivesse ocupando o Palácio do Planalto, mandaria prender o camandante do Exército, Eduardo Villas Bôas. Por qual motivo o general “provavelmente pegaria uma cana”? Pelo fato de ter dito que o termômetro da intolerância política na sociedade brasileira subiu a tal ponto que corremos o risco de o próximo governo, ainda que eleito democraticamente, “ter a sua legitimidade questionada”. Ele alertou para o perigo de o radicalismo afetar a governabilidade, mas fez questão de frisar: “não há hipótese de o Exército provocar uma quebra da ordem institucional”. (Isso parece que Ciro não ouviu).

Foi o civil e não o general quem colocou mais lenha na fogueira dos extremismos. Ou seja: Ciro Gomes, sendo ele próprio intolerante com Villas Bôas ao cogitar prendê-lo, acabou por corroborar aquilo que o militar diagnosticou em relação às atitudes radicais. O comandante apenas repetiu o que todo o País e a mídia internacional já constataram. Pode ser que o candidato tenha brincado com a situação, uma vez que, segundo declarou numa entrevista à televisão, é amigo de longa data de Villas Bôas. Ainda assim, o comentário do presidenciável transpira intolerância — além, é claro, da inevitável mise-en-scène inerente às campanhas eleitorais.

Pela Constituição brasileira, militares não podem dar declarações políticas, até porque eles formam a instituição mais fortalecida no âmbito do monopólico da violência, legal e legitimamente outorgado ao Estado (basta considerarmos o poderio bélico concentrado nos quartéis).

As falas de Villas Bôas, no entanto, de tão óbvias e reais, se fazem brandas demais e em nada extrapolam a legislação nesse momento institucional. A reação de Ciro Gomes, essa sim, mostrou-se desproporcional.

Não é a primeira vez que o general emite a sua opinião sobre a caótica situação do País. Foi ele, por exemplo, que cansou de repetir que não era para as Forças Armadas participarem de operações no Rio de Janeiro contra o crime organizado. Os militares não são treinados para esse tipo de combate e não é sua função constitucional subir morro e descer morro atrás de delinquente. O general preocupava-se também com a possibilidade de soldados morrerem nas mãos de traficantes. As mortes aconteceram e não se viu grande manifestação de solidariedade de quem os colocou em meio à guerra do tráfico. A análise estava correta, a intervenção não deu em nada e nem poderia dar. Já a mordaça que Ciro Gomes gostaria de aplicar pode levar a um resultado desastroso: justamente o aumento da intolerância. Não há risco de golpe militar no Brasil, e para quem vê esse fantasma aconselha-se acender a luz da análise racional e objetiva. Mas há risco, isso sim, nas palavras de Ciro: o de jogar, ainda mais, eleitores contra eleitores, civis contra civis.