A elite do cinema francês ouviu, nesta sexta-feira (23), em sua cerimônia anual de premiação, a reivindicação da atriz Judith Godrèche, marcada para toda a vida pela relação que manteve, ainda adolescente, com um diretor, pelo fim do “tráfico de meninas” no setor.

A 49ª edição dos prêmios César começou na sala Olympia, de Paris, sob a sombra de acusações de violência sexual, uma tempestade que não para de crescer desde que o cinema francês iniciou sua própria versão do movimento de denúncia feminista #MeToo.

“Por que aceitar que esta arte que nos une seja utilizada por um tráfico ilegal de meninas?”, questionou Godrèche, de 51 anos.

Ela denunciou à justiça dois diretores muito mais velhos que ela, Benoît Jacquot (77 anos) e Jacques Doillon (79).

Godrèche tornou-se companheira de Jacquot depois de filmar “Les mendiants” sob sua direção em 1986. A jovem foi morar com ele aos 15 anos, sem que seus pais supostamente se opusessem. Ele tinha 39 anos.

Nessa época, ela também filmou sob a batuta de Doillon, a quem acusa de comportamento abusivo.

Os dois cineastas negam as acusações e Jacquot assegura que era ele quem estava sob o “poder” de uma atriz ambiciosa.

Esta nova onda de acusações é encabeçada por Godrèche, acompanhada em segundo plano por Isild Le Besco, de 41 anos, e Anna Mouglalis.

– Um relacionamento público –

A relação entre Godrèche e Jacquot foi vivida diante dos olhos da opinião pública, durante seis anos, e em particular do cinema e da televisão franceses, onde os dois atuavam.

A atriz foi ovacionada ao chegar no Olympia nesta sexta-feira, mas suas palavras soaram como uma acusação coletiva.

“Há algum tempo, falo e falo, mas não os ouço. Ou mal os ouço. Onde estão? O que dizem?”, perguntou Godrèche à plateia.

“Sei que dá medo: perder subvenções, perder papéis, perder o seu trabalho. Eu também tenho medo”, admitiu.

“Estamos na alvorada de um novo dia. Podemos decidir que homens acusados de estupro parem de ser os tomadores de decisões no cinema”, clamou.

– O caso Le Besco –

Isild Le Besco também manteve um curto relacionamento aos 16 anos com Benoît Jacquot, sob cuja direção atuou em “Sade”, no ano 2000. Quando tinha 17 anos, supostamente teria rejeitado as investidas de Doillon, ao que ele retrucou supostamente negando-lhe um papel.

Doillon nega e afirma que ela não foi honesta e por isso não conseguiu o papel.

Agora, Le Besco “estuda” processar os dois diretores, como Godrèche já fez.

– “Cegueira coletiva” –

Godrèche deve comparecer ao Senado da França para dar seu testemunho.

O cinema francês viveu “uma cegueira coletiva” que “durou anos”, disse a ministra da Cultura, Rachida Dati, em entrevista que antecedeu a cerimônia.

Jacques Doillon tem pronto um novo filme, “CE2”, sobre assédio em uma escola de nível fundamental, mas uma de suas protagonistas, Nora Hamzawi, pediu publicamente a suspensão da estreia.

Dezenas de pessoas se manifestaram em frente ao Olympia antes da cerimônia, convocadas por sindicatos e associações feministas.

Todas estas controvérsias ofuscam o que muitos observadores coincidem em chamar de um bom momento para o cinema francês.

Além da volta do público às salas de cinema após a pandemia de covid, o grande favorito aos César, com 11 indicações, “Anatomia de uma queda”, de Justine Triet, também está indicado ao Oscar, em cinco categorias.

A cerimônia de entrega dos prêmios da Academia de Hollywood ocorrerá em 11 de março.

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