Cinco pontos-chave do confronto entre Trump e a China

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Donald Trump e Xi Jinping Foto: AFP

Os atritos entre China e Estados Unidos têm ficado mais evidentes desde a volta de Donald Trump à Casa Branca, especialmente pelo acirramento da guerra tarifária imposta pelo republicano contra o resto do globo. Na última quinta-feira, 10, as taxas contra o país de Xi Jinping chegaram aos 145%.

A potência chinesa, porém, é adversária antiga dos norte-americanos, tendo em vista o crescimento exponencial do país asiático nos últimos anos. Ameaçados por um novo protagonismo econômico mundial, os EUA passaram a apontar a China como inimiga declarada.

Dentro dessa rivalidade, destacou-se a figura de Trump, que sempre promoveu medidas – comerciais ou diplomáticas – de modo a retaliar a concorrente. A postura começa ainda em seu primeiro mandato e toma força na segunda temporada como presidente: durante a campanha que o levou à vitória em 2024, o republicano prometeu “rédea curta” em relação à China, algo que parece cumprir nos meses iniciais de comando executivo.

A IstoÉ ressalta os principais pontos que marcam o confronto entre Trump e a potência liderada por Xi Jinping

Tarifas: artilharia de guerra comercial

Apesar da disputa tarifária entre China e EUA ter tomado as manchetes das últimas semanas, Trump institui medidas contra a potência asiática desde seu primeiro mandato. Alegando práticas comerciais desleais por parte do governo chinês, o republicano chegou a impor tarifas de 25% sobre produtos do país em 2018.

Na campanha presidencial de 2024, a China voltou a ser ponto importante das promessas de Trump. Ele garantiu tarifas superiores a 60% contra importados chineses caso retornasse à Casa Branca, além da proibição de compra de terras agrícolas nos EUA por cidadãos chineses, defendendo que isso protegeria a segurança nacional e evitaria a influência estrangeira em setores estratégicos.

Agora no poder, Donald Trump cumpre suas metas e contina promovendo aumento nas taxações. Em meio ao “tarifaço” colocado sobre todo o globo, o governo americano teve como principal alvo a China, que já assina tarifas de 145%.

Segundo explica Luiz Augusto de Castro Neves, ex-embaixador brasileiro em Pequim, os EUA procuram preservar sua hegemonia como potência dominante, algo que acontece desde a Segunda Guerra Mundial. A estratégia de taxar outros países, inclusive, já foi utilizada anteriormente. “Os americanos buscam usar instrumentos que não funcionaram no passado [as tarifas] para assegurar vantagens comparativas no comércio internacional”, diz.

Resposta chinesa

Frente à postura adotada por Donald Trump, o governo chinês não se omitiu. Desde as primeiras taxações, o país asiático retaliou as medidas com valores equivalentes.

O cenário escalonou de modo que, na última sexta-feira, 11, a China anunciou taxas adicionais de 125% sobre os importados dos EUA. A decisão é uma resposta a Trump e deve entrar em vigor neste sábado, 12.

O relatório do Ministério das Finanças da China alega que as condutas do governo americano infringem seriamente os “direitos e interesses legítimos da China e prejudica seriamente o sistema de comércio multilateral baseado em regras”.

Luiz ressalta que a tentativa estadunidense de isolar-se comercialmente não é compatível com a atual situação global. Uma vez que assinam grande atividade no mercado internacional, os EUA geram respaldos no resto do mundo quando adotam medidas econômicas drásticas.

“A economia mundial globalizou-se, isto é, os processos produtivos passaram a ser internacionais. Impor tarifas aleatoriamente, como está acontecendo, tem seus efeitos multiplicados, uma vez que atinge segmentos do processo produtivo em várias economias nacionais, gerando inflação e desemprego”, esclarece o ex-embaixador. 

Cerco empresarial

Com a guerra comercial em marcha, Trump escolhe uma estratégia que vai além da tarifação direta contra a adversária chinesa. Dessa forma, o movimento de sobretaxar países do Sudeste asiático não configura uma ação aleatória – mas sim uma forma de minar as cadeias produtivas da China.

Em janeiro de 2025, a Câmara Americana de Comércio na China (AmCham) divulgou um relatório indicando que o número de empresas americanas que consideravam deixar o país de Xi Jinping era o maior desde 2020. A porcentagem alta mostra os impactos das tarifas sobre o território chinês, que obriga a migração de muitas companhias para países vizinhos.

Assim, Trump adota sanções elevadas contra nações como Vietnã, Mianmar, Laos e Camboja – parceiras da China e sedes de empresas fornecedoras de produtos chineses. Com essa atitude, o republicano procura atingir o rival duplamente: primeiro pelas taxas imediatas, depois impedindo que produtos chineses entrem nos EUA por outros vetores.

O ex-embaixador lembra que tal estratégia não representa uma atitude razoável para a geopolítica estadunidense, que é abastecida por recursos externos. “O ‘vai-vem’ das tarifas que estamos a assistir evidencia uma falta de estratégia coerente – ou mesmo falta de qualquer estratégia, limitada ao slogan MAGA bordado nos bonés produzidos na China”, explica.

Sanções e corte de investimentos

Em fevereiro de 2025, ainda nos primeiros momento do novo mandato, Trump assinou um memorando indicando que o Comitê de Investimentos Estrangeiros nos EUA (CFIUS) restringisse investimentos chineses em áreas sensíveis, como tecnologia, infraestrutura crítica, saúde e energia. A justificativa era de que a medidaprotegeria a segurança nacional americana, negando o apoio de fundos chineses à modernização de capacidades militares e de inteligência.

Já em março de 2025, o Departamento do Tesouro dos EUA sancionou a refinaria chinesa Shouguang Luqing Petrochemical e executivos associados devido a violações de sanções internacionais contra o Irã. Essas sanções destacaram a disposição dos EUA em punir atividades que consideram contrárias aos interesses geopolíticos americanos.

Bloqueio de plataformas e disputa tecnológica

A disputa tecnológica entre os Estados Unidos e China é um dos principais focos da rivalidade geopolítica entre as potências, envolvendo questões de segurança nacional, domínio de mercados globais, inovação e liderança em áreas tecnológicas estratégicas. Ao longo da última década, a competição se intensificou, com respaldo em setores de inteligência artificial (IA), semicondutores, telecomunicações, redes sociais e outros.

Em agosto de 2020, durante seu primeiro mandato, Trump assinou um decreto que proibia os aplicativos chineses TikTok e WeChat de operarem nos EUA caso não fossem vendidos para empresas americanas. A decisão motivou uma série de negociações, disputas judiciais e investigações que se estenderam por anos.

Já no atual mandato, Trump “amenizou” o tom sobre o uso de aplicativos chineses, focando energias em medidas tarifárias. Ele chegou a solicitar a suspensão de uma lei que poderia banir o TikTok no país, a fim de promover mais tempo de negociação.

O que esperar do futuro

O ex-embaixador de Pequim Luiz Castro de Neves analisa a situação entre EUA e China como “instável”, já que faz parte de um processo apressado de nova organização global. O cenário atual, porém, apresenta especificações diferentes das enfrentadas anteriormente pelo país americana – que a partir do século XX se instituiu como principal potência mundial.

“Vivemos uma época de transição acelerada da ordem internacional que foi criada pelos EUA mas que perdeu suas referências básicas, como o fim da URSS, reunificação da Alemanha, emergência da China como potência econômica de primeira  grandeza, etc. A característica principal do que estamos a viver é a instabilidade inerente a processos desorganizados de transição acelerada”, destaca.

Ao levar em conta a interdependência entre as duas potências e as sinalizações de Donald Trump para uma possível negociação com Xi Jinping, Luiz enxerga possibilidade de um acordo, mas ainda com futuro indefinido.

“EUA e China são parceiros importantes e continuam a sê-lo; essa dependência mútua estrutural poderá levar os dois gigantes a chegar a algum tipo de acordo cujos delineamentos ainda não estão claros”, finaliza.