Na avenida onde a frase Black Lives Matter (Vidas negras importam, BLM) escrita em letras amarelas costumava brilhar no asfalto, agora voltaram a trafegar pesados veículos SUV. Os republicanos do Congresso dos EUA estavam incomodados com a imagem icônica, que foi removida em março.
Keyonna Jones está no meio da outrora famosa 16th Street, em Washington, D.C. “Me sinto grata, emocionada e decepcionada, mas ao mesmo tempo fortalecida”, disse a artista à DW.
Ela e outros artistas pintaram as letras gigantes no asfalto em uma ação noturna em 2020. Foi somente ao amanhecer, quando desconhecidos paravam e se dispunham a ajudar, que ela percebeu que havia se tornado parte de algo maior. “Em 24 horas, as letras estavam visíveis no mundo todo. Isso me encheu de alegria e me deu força”, diz ela. “É assim que a mudança acontece.”
A mudança que Keyonna Jones deseja é justiça. Em 25 de maio de 2020, o afro-americano George Floyd morria durante uma abordagem brutal da polícia, ao ser dolorosamente sufocado sob o joelho de um policial. Sua agonia durou pouco menos de nove minutos e meio, meticulosamente documentada pela câmera de um celular. A frase “I can’t breathe” (não consigo respirar) dita por Floyd podia ser ouvida várias vezes na gravação.
O vídeo de Minneapolis deu a volta ao mundo. Logo, centenas de milhares de pessoas foram às ruas para protestar contra a violência policial racista e exigir reformas amplas. O Black Lives Matter se tornou talvez o maior movimento de protesto da história dos Estados Unidos.
Violência policial finalmente em foco
A morte de Floyd também causou comoção fora dos EUA. A partir de junho de 2020, os protestos se espalharam mundo afora, embora com focos diferentes. Ativistas no Brasil e na Colômbia usaram o movimento BLM para chamar a atenção para a violência policial racista contra comunidades indígenas e afro-latino-americanas.
Na Europa, o BLM conseguiu mobilizar dezenas de milhares de pessoas, especialmente na Alemanha, Dinamarca e Itália. Os protestos mostraram que há “uma conscientização crescente sobre o problema”, disse Tahir Della, porta-voz da Iniciativa das Pessoas Negras na Alemanha (ISD), à DW.
“A morte de George Floyd pode ser vista como um ponto de virada”, disse à DW a advogada Laila Abdul-Rahman, que estuda violência policial na Universidade Goethe de Frankfurt. O BLM também desempenhou um papel significativo para influenciar o debate público na Alemanha. “O discurso agora é conduzido de forma diferente, até mesmo na academia.”
Promessas não cumpridas
Cinco anos depois, a esperança inicial de muitos se mistura com decepção. “Estamos longe de alcançar todas as mudanças que foram prometidas às pessoas naquela época”, disse Robert Samuels, coautor do livro His Name Is George Floyd (“Seu nome é George Floyd”) à DW. “Os EUA não conseguiram assumir um compromisso ativo e duradouro para garantir igualdade e oportunidades iguais para todos.”
Essa desilusão também se reflete nas pesquisas. Em 2020, 52% dos americanos acreditavam que o novo foco melhoraria a vida dos negros, mas cinco anos depois o quadro é bem diferente, segundo o Pew Research Center. Apenas 27% dizem que isso realmente levou a mudanças positivas, enquanto 72% não veem melhorias.
Isso também pode estar relacionado às políticas do presidente dos EUA, Donald Trump. Logo após assumir o cargo, ele ordenou que todos os programas que promoviam diversidade, participação e inclusão (DEI) nas agências federais fossem extintos. Empresas e universidades também foram pressionadas a revogar políticas que promoviam grupos desfavorecidos. Trump também quer reverter o ensino escolar sobre racismo e justiça social – se necessário, com a remoção do financiamento estatal.
Aumento dos casos de violência
A Casa Branca quer ainda interromper algumas das investigações sobre casos de violência policial. O Departamento de Justiça dos EUA anunciou nesta quarta-feira que pretende inocentar policiais em Louisville, no Kentucky, e Minneapolis, em Minnesota. Acusações contra policiais em Memphis e outras quatro cidades também devem ser revistas. O Departamento de Justiça disse que os agentes da lei foram “falsamente” acusados de discriminação intencional contra negros.
O projeto sem fins lucrativos Mapping Police Violence (“Mapeando a violência policial”) também apresentou números alarmantes. De acordo com a iniciativa, ao menos 1.260 pessoas teriam morrido nas mãos da polícia nos EUA em 2024. Isso é mais do que em qualquer outro momento nos últimos dez anos, com um número desproporcional de negros. A ativista Keyonna Jones diz que perdeu seis amigos próximos em seu bairro por tiros ou violência policial nos últimos cinco anos.
É difícil estimar quantas pessoas no mundo todo foram vítimas de violência policial racista e se os números mudaram. Segundo organizações de direitos humanos, os casos muitas vezes não são registrados. No Brasil, por exemplo, policiais “mataram repetidamente pessoas que não representavam nenhuma ameaça – principalmente jovens negros – com a certeza de que esses assassinatos raramente seriam investigados ou processados”, afirma um relatório da ONG Anistia Internacional de 2024.
“A sobrevivência não é novidade”
Robert Samuels, no entanto, diz ter notado algumas mudanças positivas. Por exemplo, a maneira como o racismo é discutido mudou de forma fundamental. Ao menos 16 estados americanos proibiram o método policial de conter suspeitos imobilizando-os com o joelho no pescoço – a mesma prática que custou a vida de George Floyd.
Questionada sobre Donald Trump, Keyonna Jones se refugia no fatalismo. “Os negros aprenderam ao longo de suas vidas – ao longo de séculos e décadas – a sobreviver”, afirma. “Cresci no sudeste de Washington, um bairro frequentemente esquecido e carente. A história de sobrevivência não é novidade para mim. É por isso que dificilmente me choca quando uma pessoa nova assume o governo.”