Ao longo de minha vida profissional como jornalista, atuando em todas as editorias, aprendi que as áreas mais difíceis para se “cobrir” (valendo-me nas aspas de um jargão profissional) são aquelas que se relacionam à medicina e à saúde. Os motivos são claros: elas embutem tecnicismos e extremas especificidades. Mais: implicam alta responsabilidade na conexão e intermediação entrevistado-leitor, na qual se dá a transmissão da notícia. Cilene Pereira foi, indubitavelmente, a melhor na “cobertura” desses setores.

Cilene Pereira (tem um Gomes entre o prenome e o último sobrenome, que pouca gente sabe) morreu na segunda-feira 13, em São Paulo, aos 57 anos. Sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), a ele seguiu-se hipóxia (significativa ausência de oxigênio no sangue), e assim, lamentavelmente, o País perdeu a jornalista que melhor soube cuidar, por meio de seus textos extremamente claros e éticos, da saúde de todos os brasileiros.

Não eram raros os médicos e profissionais da saúde que ficavam surpresos com a capacidade e o talento que Cilene demonstrava para tratar dos assuntos mais complicados. A clareza é a boa-fé de quem se comunica, e nesse quesito era ela maestrina. Além do mais, caráter impecável e impecável urbanidade, atestam os colegas e todos os entrevistados que ela cativou com seu profissionalismo. Na revista ISTOÉ, publicação da Editora Três, Cilene trabalhou entre 1994 e 2019. Esteve também no Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo, O Globo e Veja.

Quis o destino – não padrinho destino – dar a essa “professora doutora de jornalismo” uma raríssima doença genética, que tem um nome horrível: paramiloidose. Desconstrói uma pessoa, torna o organismo inimigo do próprio organismo, o corpo ataca o próprio corpo. Afeta enzimas no fígado, responsáveis pelo transporte de vitamina A, e cria outras enzimas nocivas – Cilene, em decorrência da doença, submeteu-se a transplante de fígado. Como não há transplante de sorriso, ela manteve, apesar de todo o sofrimento com a tal enfermidade, o mesmo sorriso e o mesmo sense of humor. E se transplante desse tipo houvesse, o do sorriso e do alto astral, ela não os faria. Jamais deixaria de carregá-los a todos locais e situações. Cilene era feita de alma e matéria raras.

Cilene trabalhou, e no mesmo estilo Cilene, como diretora de comunicação do Hospital Israelita Albert Einstein, enquanto funcionária da agência Jeffrey Group. Discreta como sempre, denunciava o negacionismo e descaso federal na época do auge da Covid-19 da forma mais jornalística que se espera de um profissional da verdade: informava aos colegas dados corretos, e, dessa forma, fazia ruir a desinformação que vinha do Planalto. Ela, sozinha, enfrentava com esse método uma máquina governamental especializada na produção de mentiras.

Quem se lembra de Cilene recorda, principalmente, de um sorriso. Ela, ao partir, deixa duas filhas e um filho, deixa marido, e nos deixa atordoados: Cilene não nos avisou sobre a melhor medicação para a saudade.