O máximo órgão judicial da ONU ordenou, nesta sexta-feira (1º), que a Venezuela evite qualquer iniciativa que comprometa o status quo com a Guiana, dois dias antes de um referendo convocado por Caracas para reafirmar suas reivindicações sobre Essequibo, uma região rica em petróleo e recursos naturais administrada pela ex-colônia britânica.

A Corte Internacional de Justiça (CIJ), com sede em Haia, determinou, sem fazer qualquer referência explícita à consulta de 3 de dezembro, que a Venezuela deve “se abster de qualquer ação que modifique a situação atualmente em vigor no território em disputa”.

Há décadas, a Venezuela reivindica sua soberania sobre o Essequibo, uma região de 160.000 km² a oeste do Rio Essequibo equivalente a 70% do território guianês, onde vivem 125.000 dos 800.000 habitantes desse país caribenho que se tornou independente do Reino Unido em 1966.

A Venezuela celebrará no domingo um referendo não vinculante com cinco perguntas que englobam desde a rejeição ao laudo de 1899 que fixou a fronteira do país com a Guiana até a criação de uma província venezuelana chamada “Guiana Essequiba”, concedendo nacionalidade venezuelana aos seus habitantes.

Também pergunta sobre a jurisdição da CIJ, que Caracas rejeita, embora tenha aceitado ir ao tribunal para se defender.

A decisão responde a um pedido da Guiana ao alto tribunal para que ordenasse “urgentemente” a paralisação da consulta, que tacha de “ameaça” para sua existência.

“A corte rejeitou totalmente esse pedido sem precedentes e sem fundamento”, disse a vice-presidente venezuelana, Delcy Rodríguez, que considerou a decisão uma vitória. “A Guiana foi buscar lã e saiu tosquiada”.

“A Venezuela, tal como havia anunciado (…), seguirá adiante com todos os preparativos para realizar o referendo consultivo”, acrescentou.

O presidente guianês, Irfaan Ali, destacou a ordem da CIJ de que a “Venezuela está proibida de anexar ou invadir o território guianês ou empreender qualquer outra ação, independente do resultado do referendo de 3 de dezembro”.

A CIJ pronuncia-se sobre litígios entre Estados. Suas decisões são vinculantes, mas não tem poder para que elas sejam cumpridas.

– “Muito claro” –

A reivindicação da Venezuela aumentou desde a descoberta de petróleo em Essequibo pela ExxonMobil em 2015.

No mês passado, a Guiana anunciou outra importante descoberta que acrescenta, pelo menos, 10 bilhões de barris às reservas do país, tornando-as maiores que as do Kuwait e dos Emirados Árabes Unidos.

Desta forma, a Guiana possui as maiores reservas de petróleo per capita do mundo e a Venezuela, as maiores reservas já provadas do planeta.

A CIJ ordenou em sua decisão que “as partes se abstenham de qualquer ação que possa agravar ou estender a disputa ante o tribunal ou torná-la mais difícil de resolver”.

“Ações como quais por exemplo? Que deixe de dar concessões unilaterais sobre um território que está sujeito a uma controvérsia territorial, deixe de buscar terceiros como o Comando Sul ou outros para vir ameaçar a Venezuela; concessões em ouro, em petróleo. Disseram-lhe isso muito claro”, disse Rodríguez.

A Guiana anunciou a visita de funcionários do departamento de Defesa dos Estados Unidos e indicou que Georgetown analisava a possibilidade de estabelecer bases militares aliadas.

Rocío San Miguel, especialista venezuelana em temas militares, considera que a Venezuela errou ao não solicitar medidas cautelares à CIJ “para que se encerre a explotação de recursos por parte da Guiana no território de Essequibo”.

– Temores de escalada –

As tensões geram temores regionais de uma escalada bélica. A Guiana acusa Caracas de iniciar preparativos militares com esse fim, o que o governo de Maduro nega.

O Brasil expressou “preocupação” pelo “ambiente de tensão entre dois países vizinhos e amigos” e anunciou “uma maior presença militar” em sua fronteira norte.

A secretária para a América Latina e o Caribe do Itamaraty, Gisela Maria Figueiredo, ressaltou a importância de que “em um momento em que várias regiões do mundo têm conflitos militares, a América do Sul permaneça em um ambiente de paz e cooperação”.

Os observadores apontam que o “sim”, sem oposição, deve ganhar por grande maioria. E mesmo que a consulta não tenha consequências jurídicas, as autoridades esperam que ela reforce sua reivindicação territorial.

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