O máximo órgão judicial da ONU decidiu, nesta sexta-feira (26), que Israel deve facilitar a entrada de ajuda humanitária em Gaza, onde trava uma guerra contra o movimento islamista palestino Hamas desde outubro.

A Corte Internacional de Justiça (CIJ), com sede em Haia, instou Israel a evitar qualquer possível ato de genocídio durante a ofensiva de seu Exército na Faixa de Gaza contra o Hamas, mas evitou pedir formalmente um cessar-fogo.

De acordo com a decisão do tribunal, lida nesta sexta-feira em Haia, Israel deve tomar “medidas imediatas e eficazes para permitir a prestação de serviços básicos e ajuda humanitária de que os palestinos necessitam urgentemente para lidar com as condições de vida desfavoráveis que enfrentam” devido à campanha militar israelense, iniciada após o ataque do Hamas em 7 de outubro no sul de Israel.

Por enquanto, a CIJ não se pronunciou sobre a questão subjacente de saber se as operações israelenses em Gaza se enquadram no conceito jurídico de genocídio, um debate que pode levar anos.

Mas instou Israel a fazer tudo o que puder para “impedir a prática de todos os atos dentro do âmbito de aplicação” da Convenção para a Prevenção do Genocídio, assinada em 1948, após o Holocausto.

Também decidiu que Israel deve “impedir e punir” qualquer incitamento ao genocídio.

O Hamas, que governa a Faixa de Gaza, considerou a decisão um “avanço importante que contribui para isolar Israel e expor seus crimes em Gaza”, segundo um comunicado. E a Autoridade Palestina viu a decisão como uma demonstração de que “nenhum Estado está acima da lei”.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, observou que “a acusação de genocídio apresentada contra Israel não é apenas falsa, é escandalosa”.

Antes de ler as disposições, a presidente do tribunal, Joan Donoghue, citou declarações de responsáveis israelenses, como o ministro da Defesa, Yoav Gallant, que ordenou um “cerco total” à Faixa de Gaza em 9 de outubro e disse então que as suas forças estavam “lutando contra animais”.

O tribunal emitiu esta decisão no âmbito do recurso de emergência apresentado em dezembro pela África do Sul perante a CIJ, que argumentou que Israel violou a convenção da ONU.

Durante dois dias de audiências realizadas este mês na sala dourada do Palácio da Paz em Haia, onde está sediada a CIJ, advogados de ambos os lados debateram a interpretação dessa convenção.

A África do Sul acusou Israel de “atos de genocídio contra o povo palestino em Gaza” e instou o tribunal a ordenar “a suspensão imediata das operações militares” na Faixa de Gaza e a permitir o acesso dos civis à ajuda humanitária.

Pouco depois de a decisão ter sido proferida, o governo sul-africano, em um comunicado, saudou uma “vitória decisiva para o Estado de Direito internacional e um passo importante na busca de justiça para o povo palestino”.

– Israel acatará a decisão? –

A guerra eclodiu em 7 de outubro com a incursão de comandos islamistas que mataram cerca de 1.140 pessoas, a maioria civis, e sequestraram cerca de 250 no sul de Israel, segundo um relatório da AFP baseado em dados oficiais israelenses.

As ações de retaliação, com bombardeios incessantes e ações terrestres em Gaza, deixaram até agora pelo menos 26.083 mortos, a maioria mulheres, crianças e adolescentes, segundo o Ministério da Saúde do território.

Em comentários feitos à margem da decisão, a presidente do tribunal afirmou nesta sexta-feira que o tribunal está “muito preocupado” com a situação dos reféns em Gaza e exigiu a sua “libertação imediata e incondicional”.

A questão agora é se Israel cumprirá ou não a decisão do tribunal.

A CIJ, que trata de litígios entre países, emite decisões vinculantes e que não cabem recurso, mas não dispõe de meios para garantir a sua aplicação, como quando ordenou à Rússia que parasse as suas operações na Ucrânia, sem sucesso.

“É concebível que uma ordem judicial não tenha qualquer impacto significativo na operação militar israelense”, disse Cecily Rose, professora de direito internacional na Universidade de Leiden, nos Países Baixos.

No dia 14 de janeiro, Netanyahu manifestou a sua firmeza na manutenção da ofensiva. “Ninguém nos impedirá, nem Haia, nem o eixo do mal”, declarou.

– “Triunfo da Humanidade” –

Em qualquer caso, os especialistas acreditam que, independentemente do impacto simbólico que a decisão possa ter, provavelmente haverá consequências tangíveis no terreno.

Segundo Juliette McIntyre, especialista em direito internacional da Universidade do Sul da Austrália, se a CIJ, como terceira parte neutra, determinar a existência de um risco de genocídio em Gaza, “será muito mais difícil para um país continuar apoiando Israel”.

Os países que mais apoiaram o caso perante a CIJ foram aqueles de maioria muçulmana, incluindo Irã, Turquia, Jordânia, Paquistão, Bangladesh, Malásia e Maldivas. Na América Latina, Brasil, Colômbia, Bolívia e Venezuela apoiaram a iniciativa.

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, igualou a decisão do tribunal a um “triunfo da Humanidade” e sublinhou que “o que se impõe é um cessar-fogo para a libertação integral dos reféns de ambos os lados”.

O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e o chefe do Governo espanhol, Pedro Sánchez, também saudaram a decisão.

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