Um muro submarino diante das calotas de gelo: frente à intensificação do aquecimento climático, os cientistas sugerem criar infraestruturas em massa para conter o derretimento das geleiras e, com isso, a elevação no nível dos mares.

Ainda incomum em meio à profusão de pesquisas climáticas, esse estudo é notável por se tratar de “um plano de socorro” – o que não diminui em nada a necessidade de reduzir as emissões dos gases causadores do efeito estufa, observam os pesquisadores.

De acordo com o trabalho publicado nesta quinta na revista “The Cryosphere”, projetos de engenharia dedicados a “conter o derretimento das geleiras poderiam diminuir a ruptura das calotas”.

A fragilidade das calotas da Groenlândia e do oeste da Antártica, em especial, é uma grande preocupação dos especialistas. São imensas extensões de água doce retidas pelas geleiras que, se liberadas, podem elevar o nível dos mares em vários metros.

Para alguns pesquisadores, o aquecimento oceânico também deflagrou o processo de desestabilização ao redor do mar de Amundsen (Antártica Ocidental), sobretudo, pelas geleiras de Pine Island e de Thwaites. Sozinho, esse processo é visto como primeira fonte potencial de elevação dos mares no futuro.

“Thwaites pode, facilmente, causar uma ruptura monstra da calota da Antártica Ocidental, que elevaria em cerca de três metros o nível mundial dos mares”, explica Michael Wolovick, da Universidade de Princeton, um dos autores desse novo estudo.

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O degelo acontece, em particular, quando a base submarina da geleira é tomada pela água mais quente.

Os pesquisadores imaginaram vários tipos de artifício para conter o fenômeno, cuja validade foi testada nas Thwaites.

Entre as alternativas, está a construção de quatro colônias submarinas de 300 metros de altura para reter a geleira, o que demandaria tanto material que seria necessário escavar pelo Canal de Suez. Segundo o estudo, essa opção teria 30% de chance de sucesso.

Uma obra de dimensões maiores como, por exemplo, um muro de 50 a 100 metros de altura e 80 a 120 quilômetros de extensão seria “mais eficaz”, porque teria capacidade de bloquear, em parte, a água mais quente que se encontra no fundo.

– Proposta de pesquisa –

“A conclusão principal do nosso estudo é que uma intervenção eficaz sobre as calotas polares é da ordem do possível”, explicou Michael Wolovick à AFP.

“Com algumas décadas de pesquisa, ou mais, parece plausível que a comunidade científica possa propor um plano ao mesmo tempo eficaz e realizável”, acrescentou.

“Porque, se reduzir as emissões continua a ser a prioridade no curto prazo para minimizar os efeitos da mudança climática, no longo prazo, a humanidade pode precisar de planos de urgência para enfrentar a ruptura de uma calota polar”, destacam os pesquisadores.

Essa questão de “planos de urgência” alimenta o debate sobre a luta contra o aquecimento, sobretudo, com projetos de “geoengenharia”. Frequentemente polêmicos, esses projetos propõem manipular o clima em maior ou menor medida, como, por exemplo, a manipulação da radiação solar por pulverização de aerossóis.

“Fazer ‘geoengenharia’ significa, com frequência, imaginar o inimaginável”, afirma John Moore, da Beijing Normal University.

“Assim, em vez de tentar modificar o clima, a humanidade pode escolher uma intervenção pontual, sobre lugares específicos”, completou.


Construir essas infraestruturas não seria para agora, ressaltam os cientistas, sobretudo, em um meio tão inóspito quanto a Antártica.

“Redigimos esse relatório não porque achamos que esses projetos precisam ser concretizados, mas porque queremos que a comunidade científica pense e trabalhe nisso”, disse o pesquisador de Princeton.

Para os autores, reduzir as emissões mundiais de gases de efeito estufa continua sendo chave.

“Elementos desonestos tentarão, certamente, se aproveitar dos nossos trabalhos como um argumento contra a necessidade de reduzir as emissões. Ora, nosso estudo não apoia em nada essa interpretação”, advertem.

Eles lembram também que essa “geoengenharia glacial” poderá funcionar somente se o aquecimento continuar sob controle.

E, mesmo que essas construções limitem a elevação do nível das águas, elas não agirão sobre outros impactos tão devastadores quanto a acidificação dos oceanos, as tempestades e a canícula.


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