SÃO PAULO, 9 MAI (ANSA) – Por Lucas Rizzi – Todos os dias, desde 14 de setembro de 2020, uma pessoa se coloca em frente ao túmulo de Dante Alighieri (1265-1321), em Ravenna, para ler um canto inteiro da “Divina Comédia”, a obra-prima do maior poeta italiano.   

A homenagem acontece sempre às 18h (ou às 17h, entre novembro e março), como parte de um projeto de “leitura perpétua” do poema que narra a trajetória de Dante pelo Inferno, pelo Purgatório e pelo Paraíso.   

Chamado “L’ora che volge il disìo”, ou “A hora em que o desejo volta”, em tradução livre”, o projeto integra as comemorações pelo sétimo centenário da morte do poeta, que é tido não apenas como um dos fundadores da língua italiana moderna, mas também como maior símbolo cultural de um país celebrado mundialmente por seu patrimônio artístico.   

O objetivo é manter viva a memória da “Divina Comédia” enquanto houver um mundo para celebrar seus versos e se emocionar com suas histórias.   

Já se passaram 238 dias desde o início da iniciativa, número suficiente para ler a “Divina Comédia” inteira duas vezes, além de mais uma vez os 37 primeiros cantos da obra. O projeto segue a ordem do poema, e neste domingo (9) foi a vez do canto III do Purgatório.   

Até hoje, o único dia sem leituras foi 25 de dezembro, no Natal, e as datas estão totalmente preenchidas até 26 de setembro, sendo que há dias reservados até meados de dezembro – no entanto, para ler algum canto do Inferno, parte mais popular da “Comédia”, é preciso aguardar até janeiro de 2022.   

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

“Desde o início há um interesse muito grande das pessoas, começando pelos cidadãos de Ravenna. Pessoas de todos os grupos – estudantes, jovens, aposentados – se apresentaram para fazer a leitura”, diz Enrico Menghi, responsável de eventos da Fundação RavennAntica, organizadora da leitura perpétua.   

Para participar, basta enviar um e-mail para o endereço oficial do projeto (leggidante@ravennantica.org), que está aberto a pessoas de todas as nacionalidades. Os organizadores recebem cerca de 20 mensagens por dia, de leitores de diversos idiomas, como alemão, russo, francês, persa, árabe, suaíli, mandarim, coreano e até português.   

“É muito belo ouvir a musicalidade da ‘Divina Comédia’ em outras línguas”, diz Menghi. A Biblioteca Classense, situada a 300 metros da tumba, conta com mais de 70 edições do poema em idiomas estrangeiros, caso o leitor não tenha um exemplar consigo.   

As leituras podem ser acompanhadas presencialmente e também são transmitidas via streaming no Facebook e no YouTube. Ao fim do canto, um sino é tocado 13 vezes, em memória do dia da morte do poeta, 13 de setembro de 1321.   

Antes da segunda onda da pandemia do novo coronavírus, cerca de 50 ou 60 pessoas assistiam à leitura na tumba todos os dias, mas o recrudescimento da crise sanitária forçou a reintrodução de medidas restritivas, que só começaram a ser revogadas recentemente.   

Segundo Menghi, quando alguém falta no dia combinado, os organizadores chamam uma das mais de 40 pessoas que estão disponíveis a ler a qualquer momento. Em dias de chuva, a leitura acontece dentro do jazigo. “É como se o poeta estivesse escutando quem lê”, acrescenta.   

Menghi acredita que o interesse na leitura perpétua continuará alto mesmo após o sétimo centenário da morte de Dante, pelo fato de o poeta ser um dos maiores ícones culturais do mundo. Em 2019, antes da pandemia, a tumba do poeta recebeu 355.153 visitantes, segundo a Biblioteca Classense, que monitora os acessos no local.   

“A ‘Divina Comédia’, mesmo sendo uma obra escrita há mais de 700 anos, tem uma série de elementos, características, descrições e visões nas quais as pessoas ainda se reconhecem. A natureza humana não mudou, por isso Dante, em sua irreverência, tem essa modernidade, é um ícone pop”, diz Menghi.   

É impossível prever por quanto tempo a leitura perpétua conseguirá manter seu fôlego, mas o revezamento de leitores que testemunham a cada dia seu amor por Dante já mostrou que o poeta é eterno. (ANSA).   


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias