Herdeiro do trono saudita, o jovem príncipe Mohammed bin Salman viu sua ambição de tornar-se um líder global ruir após o bárbaro assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, em 2018. Virou um pária internacional, epíteto repetido com todas as letras pelo presidente Joe Biden. Quatro anos depois, ele saboreia a volta por cima: tornou-se um dos dirigentes mais requisitados do mundo.

O governante de 36 anos chama Israel de “potencial aliada” e não de inimiga (para desgosto do pai, o rei Salman, de 86 anos). Recepciona o presidente americano e, com poucos dias de diferença, o ministro da defesa russo, Serguei Lavrov. Fala ao telefone com o líder chinês Xi Jinping. E aceita abrir torneiras de petróleo a pedido dos EUA, assim como unir o Oriente Médio contra o risco nuclear do Irã. Sua versatilidade o fez convidar a fábrica dos fuzis Kalashinikov para atuar no país, assim como a Lockheed Martin, dos caças F-16.

A reabilitação ocorre pelo papel estratégico que a Arábia Saudita desempenha após a guerra na Ucrânia, a explosão nos preços do petróleo e a crise de abastecimento no pós-pandemia. Mas não é por isso que o líder quer ser lembrado. Em paralelo ao conservadorismo social, ao fundamentalismo religioso e às denúncias de desrespeito a direitos humanos, ele tenta se projetar como um visionário que modela seu país à imagem de uma Shangri-lá futurista.

MbS, como é conhecido, quer apagar a imagem da Arábia Saudita como “país produtor de petróleo”, diversificando a maior economia do Oriente Médio. E, para isso, inventou um cartão de visitas gigantesco: uma cidade construída do zero, em uma linha reta de 170 quilômetros cruzando o país do Mar Vermelho às montanhas do noroeste. Chamada de “The Line” (ou A Linha, em tradução livre), a megalópole é parte do projeto Neom. Anunciada como 100% sustentável e protótipo de um mundo novo, a megalópole não terá carros e contará com legislação própria, mantido o veto islâmico a bebidas alcoólicas. O projeto se espelha no sucesso da vizinha Dubai, cidade dos Emirados Árabes Unidos (também na península arábica) que se tornou de fato um festejado hub tecnológico e centro turístico.

A área total da futura cidade somará 34 km2 alinhados em uma faixa de 200 metros na largura. Nessa extensão ficarão vilas com apartamentos, escolas, clínicas, áreas de lazer e de agricultura vertical, parques arborizados e fontes, com microclima fabricado por energia totalmente renovável (a Arábia Saudita é um dos cinco países com maior potencial solar e eólico do mundo). No centro estarão dois edifícios com 500 metros de altura, cobertos de espelhos. No primeiro subsolo ficarão os serviços e no segundo, o metrô, com trens de alta velocidade.

Tudo, por enquanto, não passa de projeto, apesar do ano-limite para a implantação da primeira fase ser 2030. A cidade foi concebida para 1,2 milhão de habitantes. Em 2045, a população poderia chegar a 9 milhões, pela localização acessível a no máximo seis horas de vôo para 40% do globo, além do importante acesso no Mar Vermelho. Haverá uma cidade industrial flutuante nessas águas: a Oxagon, que contará com o primeiro porto do mundo totalmente automatizado. São 48 km2 em formato de octágono. Na outra ponta de The Line, será construída a Trojena, nas montanhas e vales desertos do país, um destino turístico para resorts para esqui na neve e outros esportes radicais.

Com o megaprojeto Neom, o príncipe pretende criar 380 mil empregos. A projeção é que a população em seu país triplique: vá de 34 milhões a 100 milhões em 2040, dos quais seriam 70% estrangeiros. Serão necessários US$ 500 bilhões para a implantação (R$ 2,5 trilhões), com parte da iniciativa privada. Daí a viagem do príncipe a Nova York, em abril, para falar com investidores, e o giro pela Europa, que incluiu uma visita ao francês Emmanuel Macron, em julho. O encontro chocou os defensores dos direitos humanos, mas a reviravolta na geopolítica mundial mudou o espírito dos líderes mundiais. Eles resolveram prestar atenção nos planos do príncipe, que passou a ser incontornável para a estabilidade mundial. E sua visão excêntrica, afinal de contas, pode se tornar realidade.