O art. 1º da Constituição de 1988 apresenta os fundamentos de nossa República. Em seu inciso II, traz a cidadania, colocada entre a soberania (inciso I) e a dignidade da pessoa humana (inciso III), que, acompanhadas dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, bem como do pluralismo político, revelam-se os fundamentos arrolados no artigo inaugural do texto constitucional.

Apresentando-os desse modo, quis o constituinte demonstrar que esses autênticos valores são o alicerce de nossa República. Sem eles, os objetivos delineados pela Constituição não serão alcançados. Dentre tais objetivos encontramos, no inciso I, do art. 3º, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Mas como anda a noção de cidadania? Numa sociedade polarizada, mostra-se fator de divisão. É usual a autodenominação “cidadão de bem” pelos extremos, com o intuito de diminuir ou aniquilar o polo contrário, visto, não como adversário, mas sim como inimigo a ser abatido.

A cidadania como fundamento da República é atributo do titular de direitos políticos. Logo, é noção essencial ao Estado Democrático de Direito, cabendo ao ordenamento jurídico disciplinar a forma de seu exercício. Qualquer adjetivação que se imponha a um cidadão por suas legítimas escolhas políticas revela-se perverso mecanismo para privá-lo de um dos vários feixes de sua liberdade. É preciso estar atento.

A crescente polarização da sociedade brasileira subverte a noção de cidadania. Para os extremos, todos que não sejam identificados com seus valores e métodos de ação são indivíduos aos quais deve ser negada a essência da cidadania. Não merecem falar, nem ser ouvidos. Suas ponderações são deturpadas para afirmar a impertinência de seus argumentos, acarretando a exclusão sumária do debate público.

Os extremos se detestam e, por princípio, não dialogam. Digladiam. Quem não se adéqua a nenhum deles é, por ambos, desprezado e atacado

Os extremos se detestam e, por princípio, não dialogam. Digladiam. Quem não se adéqua a nenhum deles, é por ambos desprezado e atacado. São adeptos da guerra, não da política. Não debatem, ofendem. Têm por método negar à cidadania
a busca de consensos mínimos, a partir dos quais uma agenda de país se tornaria possível.

Autocentrados seguem a lógica que divide o Brasil em “nós x eles”, interditando o sentido constitucional de cidadania, ampliando o espaço para a atuação de apaixonadas torcidas, animadas por comportamentos populistas e deletérios à democracia. O resgate da cidadania e da agenda nacional depende de comportamento racional. Torcedores não ajudarão. Só a cidadania pode salvar o Brasil.