Cid pede para deixar o Exército por falta de ‘condições psicológicas’, diz defesa

Mauro Cid no Supremo Tribunal Federal (STF)
O tenente-coronel Mauro Cid Foto: Ton Molina/STF

A defesa do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), afirmou que ele pediu para deixar o Exército porque “não tem mais condições psicológicas de continuar como militar”. A informação foi dada nesta terça-feira, 2, durante o primeiro dia de julgamento sobre o inquérito que apura a suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.

Os advogados que representam Cid foram os primeiros a se pronunciarem depois do retorno do julgamento, pois o tenente-coronel é o delator do caso. Segundo o advogado Jair Alves Ferreira, a baixa do Exército foi requerida há cerca de um mês e ainda não teve decisão sobre a solicitação.

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A defesa ainda apontou que a coloração premiada teve um alto custo ao militar, provocando isolamento e tratamento de traidor. Mas apontou que a delação foi decisiva para a revelação de temas centrais da trama golpista.

Acusação

Para a Procuradoria-Geral da República (PGR), Bolsonaro foi o líder da organização criminosa e participou ativamente na elaboração da minuta do golpe para evitar a posse de Lula. O ex-presidente ainda é acusado de editar uma minuta golpista e pressionar chefes das Forças Armadas a aderirem ao plano. Ele recuou da ideia após a recusa dos então comandantes do Exército e da Aeronáutica.

Além de Bolsonaro, outros sete aliados são réus no processo relatado pelo ministro Alexandre de Moraes. São eles:

  • Alexandre Ramagem, deputado federal (PL-SP);
  • Almir Garnier Santos, almirante e ex-comandante da Marinha;
  • Anderson Torres, delegado do PF e ex-ministro da Justiça;
  • Augusto Heleno, general e ex-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional);
  • Jair Bolsonaro, capitão e ex-presidente da República;
  • Mauro Cid, tenente-coronel, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator;
  • Paulo Sérgio Nogueira, general e ex-ministro da Defesa;
  • Walter Braga Netto, general e ex-ministro da Casa Civil.

O processo é analisado pela Primeira Turma da Corte, que conta com cinco ministros: Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Flávio Dino. O julgamento deve durar até dia 12 de setembro.

A expectativa é que o primeiro dia seja destinado para a leitura do relatório de Moraes e para os argumentos do procurador-geral da República, Paulo Gonet. Em seguida, as defesas terão 1h para apresentar seus argumentos. O advogado do ex-presidente, Celso Villardi, deve ser o sexto a falar.

Os votos dos ministros devem ficar apenas para a segunda semana de julgamento. A expectativa nos bastidores do STF é pela condenação de Bolsonaro, a dúvida está no placar unânime ou se haverá voto contra de um dos ministros. A incógnita está no voto de Luiz Fux, que já deu indícios de que poderá divergir do voto do relator.

Da trama ao tribunal

Na campanha frustrada para se reeleger, em 2022, Bolsonaro reuniu ministros, embaixadores estrangeiros e discursou para descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro, sugerindo ser vítima de uma fraude. Mais de 44 horas após o fechamento das urnas, admitiu a derrota, mas não desmobilizou apoiadores que bloqueavam estradas e acampavam em frente a quartéis do Exército, pedindo intervenção militar.

Conforme as investigações da Polícia Federal, o então presidente e um grupo de aliados — os outros sete integrantes do ‘núcleo 1’, réus no julgamento desta semana — articulavam alternativas para reverter a decisão popular naquele período.

Bolsonaro recebeu e editou documentos que dariam embasamento jurídico à ruptura institucional, se reuniu com os comandantes das Forças Armadas para consultar a anuência das tropas à ideia e teve conhecimento de um plano para executar o presidente Lula (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes antes da troca de governo.

Em 30 de dezembro, às vésperas de concluir o mandato, Bolsonaro viajou para os Estados Unidos, não passou a faixa presidencial ao sucessor e só retornou ao país depois de três meses. Na ausência do político, apoiadores mantiveram os acampamentos em frente a quartéis, amplificaram as manifestações e invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes da República, em Brasília, em tentativa derradeira de mobilizar uma intervenção militar.

Em fevereiro de 2024, a PF deflagrou a Operação Tempus Veritatis, primeira a cumprir mandados relativos ao plano golpista, com base na delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Em novembro, foi a vez da Operação Contragolpe, cujas apurações ampliaram o comprometimento do ex-presidente com a trama. As investigações embasaram uma denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República), enviada ao STF em fevereiro de 2025.

Em março, Bolsonaro e os demais acusados de idealizarem e planejarem a ruptura tornaram-se réus no tribunal, que os acusou de cinco crimes, cujas penas, somadas, podem chegar a 43 anos de prisão:

– Organização criminosa armada;
– Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
– Golpe de Estado;
– Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima;
– Deterioração de patrimônio tombado.

Para os advogados do ex-presidente, os episódios descritos na denúncia da PGR são políticos e, quando muito, atos preparatórios que não podem ser punidos criminalmente; por sua vez, os documentos que descreviam o plano de ruptura não têm assinatura ou valor de fato. Bolsonaro admitiu ter discutido “possibilidades” com os chefes das Forças Armadas após perder a eleição, mas disse não ter cogitado usurpar a democracia e repete que não há golpe sem tanques de guerra na rua.