O churrasco, realizado com fartura de carnes e cervejas, no último dia 21 de fevereiro, estava bem animado na Granja do Torto, em Brasília, uma das residências oficiais da Presidência da República. Era a primeira iniciativa concreta de Lula para se aproximar do setor produtivo do agronegócio, que ainda manifesta resistência em relação ao governo federal e ao PT, sobretudo por parte da bancada ruralista no Congresso Nacional.

De forma cautelosa, o presidente iniciou a descompressão nas relações entre as partes com o oferecimento de um ambiente mais relaxado, quando foi o anfitrião da confraternização com 60 dos mais importantes empresários da área de fruticultura e de outros produtores rurais.

A principal preocupação de Lula era ouvir o que os empresários tinham a dizer. Falou menos do que de costume, mas teve a sensibilidade de falar o que os convidados queriam ouvir: o apoio maior do governo aos pleitos da agropecuária, que vem sendo contemplada com grandes volumes de recursos do Plano Safra.

Todos, aparentemente, saíram satisfeitos, para felicidade do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, o principal articulador do encontro e entusiasta da aproximação do governo com o agronegócio.

Este setor da economia, responsável pelos números positivos do PIB, é mais identificado com políticas consideradas neoliberais e avesso ao que considera “interferência excessiva no mercado” por parte de administrações de centro-esquerda, como é o governo Lula.

O segmento é, ainda, mais ligado ao ex-presidente Bolsonaro, que tem uma agenda de direita mais afinada com seus propósitos.

Após a reunião, Fávaro disse não ter ilusão de que haverá aumento da simpatia pelo governo, mas que considera importante que Lula saiba o que pensam e o que querem os produtores rurais. “Lula não sentou um minuto na churrascada e se comprometeu a articular uma ação com outros países da América do Sul contra a mosca da carambola”, explicou o ministro, referindo-se a uma praga da lavoura dos fruticultores brasileiros, que é “importada” de países vizinhos.

Ministro Carlos Fávaro (Agricultura) tenta atrair parlamentares e empresários do agro para churrascos com Lula (Crédito: Vinicius Loures/câmara dos deputados)

Com o resultado considerado satisfatório, o ministro ganhou o aval de Lula para prosseguir com o agendamento das reuniões com os demais segmentos do agronegócio, que serão realizadas a cada 15 ou 30 dias.

Na lista, estão produtores de café, algodão, floresta plantada e bioinsumos, além de empresários ligados à área de exportação. Um ponto em comum dos dois lados é reduzir os preços dos alimentos e discutir ações para diminuir custos de produção, com o aumento da produtividade.

Viagens

Além dos churrascos em Brasília, o Palácio do Planalto prepara um roteiro de viagens do presidente por vários estados para falar da realidade local no “próprio quintal” dos produtores, segundo uma fonte próxima do ministro da Agricultura.

Algumas dessas viagens ocorrerão em territórios considerados bolsonaristas. Um desses eventos ocorrerá na abertura da 29ª edição da Agrishow, em Ribeirão Preto, entre os dias 29 de abril e 3 de maio. É a maior feira de tecnologia agrícola da América Latina.

O convite a Lula pelos organizadores da mostra indica a superação do incidente do ano ano passado, quando o presidente cancelou a sua participação por conta de um convite feito também a Bolsonaro, ocasionando inclusive a suspensão do patrocínio do Banco do Brasil ao evento.

Fávaro tem dito a parlamentares que Lula fará anúncios importantes em todos os lugares em que visitar, permanecendo mais próximo do que nunca dos produtores.

Em Minas Gerais, por exemplo, já inaugurou uma fábrica de fertilizantes;
no Rio Grande do Sul, realizou três eventos ligados ao agro na primeira quinzena de março.
E estão previstas ainda viagens para Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Goiás, estados eminentemente rurais.

De forma reservada, muitos empresários reconhecem que o esforço de Lula em ouvir o setor é genuíno, o que não significa, contudo, que haverá adesão ao governo petista, já que ainda é forte o componente ideológico em relação às bases econômicas do segmento.

Isenções fiscais

No âmbito legislativo, o governo se prepara para debater com a bancada ruralista temas sensíveis para o setor, como a incidência de impostos sobre alimentos. De acordo com o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), a bancada vai trabalhar para zerar a alíquota de qualquer alimento.

Além de permitir ao cidadão decidir o que quer comer, o parlamentar afirma que a população deve ter condições de adquirir todo e qualquer alimento. “A solução para aumentar a oferta de alimentos para a população está na mesa e vamos trabalhar para aprovar juntos o que o setor e o governo desejam.” A questão da carga tributária para os alimentos será tema a ser discutido em uma próxima conversa de Lula com Fernando Haddad (Fazenda).

Outro assunto que deverá merecer a atenção do governo é a crise nacional da cadeia produtiva do leite, como adiantou o novo presidente da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, Vicentinho Junior (PP-TO).

Em seu discurso de posse, destacou a necessidade de proteger a produção nacional de leite da “concorrência desleal do produto importado”.

Segundo ele, “temos de debater o antidumping no leite brasileiro, buscando soluções para evitar prejuízos aos produtores diante da entrada de leite do Uruguai e da Argentina no País”. Ele reconhece que o tema é delicado, mas que o governo federal terá de participar da solução.