Com poucas esperanças de uma reunificação antecipada, o Chipre relembra neste sábado (20) os 50 anos da invasão turca, que desde então dividiu a ilha mediterrânea em duas.

Na parte sul, controlada pela República do Chipre, de maioria grega e membro da União Europeia (UE) desde 2004, as sirenes soaram às 5h30 da manhã, hora local. Uma forma de recordar o início, em 1974, da Operação Átila do Exército turco, que conquistou o terço norte do território e forçou o deslocamento de cerca de 40% da população.

Atualmente, uma zona tampão, patrulhada por forças de manutenção da paz da ONU, cruza a ilha de oeste a leste, com pontos de passagem e postos de controle fronteiriços entre o sul greco-cipriota e o norte turco-cipriota.

Na parte norte fica a República Turca do Chipre do Norte (RTCN), autoproclamada e reconhecida apenas por Ancara. Nos últimos dias, veteranos greco-cipriotas que lutaram contra a invasão disseram estar pessimistas quanto a uma possível reunificação.

“Já se passaram 50 anos e ainda não há solução ou esperança”, disse à AFP Demetris Toumazis, que foi levado para a Turquia como prisioneiro de guerra em 1974.

O primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, estará no Chipre neste sábado à tarde para participar dos eventos com o presidente cipriota, Nikos Christodoulides.

Este último presidiu pela manhã uma cerimônia em memória dos soldados mortos em um cemitério militar em Nicósia, a última capital dividida do mundo.

Em declarações à imprensa, o presidente considerou que “não há outra opção” além da reunificação.

Pouco antes, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, em visita à parte norte, onde pretende assistir a um desfile militar, disse que não parecia adequado retomar as negociações sobre a reunificação sob os auspícios da ONU.

“Acreditamos que uma solução federal não é possível no Chipre. Ninguém está interessado em continuar as negociações que pararam anos atrás na Suíça”, onde a última rodada fracassou em 2017, disse Erdogan na RTCN.

“O lado turco-cipriota deve poder se sentar à mesa com o lado greco-cipriota, em igualdade de condições. Estamos prontos para negociar e alcançar uma paz e uma solução duradouras”, enfatizou o líder turco.

“Independentemente do que Erdogan e os seus representantes digam ou façam nos territórios ocupados, a Turquia, 50 anos depois, continua responsável pelas violações dos direitos humanos de todo o povo cipriota e pelas violações do direito internacional”, respondeu Christodoulides.

Para a presidente da Comissão Europeia, braço executivo da UE, Ursula von der Leyen, a reunificação do Chipre é uma questão europeia. “Vamos continuar apoiando firmemente o Chipre nos esforços para reunificar o último Estado-membro da UE dividido, de acordo com as resoluções pertinentes, do Conselho de Segurança da ONU”, que pedem uma federação bicomunal e bilateral, ressaltou.

– ‘Pensar de maneira diferente’ –

A RTCN, que declarou unilateralmente sua independência em 1983, continua sujeita a um embargo internacional e depende em grande medida da Turquia para sua sobrevivência econômica.

Depois de décadas de negociações infrutíferas para reunificar a ilha, a última enviada das Nações Unidas, a ex-chanceler colombiana María Ángela Holguín, escreveu uma carta aberta no início do mês afirmando que é preciso “se distanciar” das soluções do passado e “pensar de maneira diferente”.

Antes do fracasso da última rodada de negociações em 2017, os greco-cipriotas rejeitaram, em um referendo realizado em 2004, um plano de unificação apoiado pelas Nações Unidas.

A invasão de 1974 foi a resposta turca a uma tentativa de golpe de Estado dos nacionalistas greco-cipriotas, apoiados pela ditadura militar que ocupava o poder em Atenas, que buscavam unir a ilha à Grécia. Uma perspectiva que a comunidade turco-cipriota rejeitou categoricamente.

A Operação Átila foi o ápice de um período conflituoso na ilha, colônia britânica desde 1878 e independente desde 1960.

Naquele momento, foi negociada uma Constituição complexa com Reino Unido, Grécia e Turquia, destinada a proteger os direitos da minoria turca, que na época representava 18% da população.

O tratado de independência de Chipre proíbe a união com a Grécia ou a Turquia, assim como a divisão, e faz de Londres, Atenas e Ancara os garantes da independência, integridade territorial e segurança da ilha.

Mas este consenso ruiu no final de 1963, em um contexto de violência entre ambas as comunidades, o que levou os turco-cipriotas a se retirarem em alguns enclaves, deixando uma Nicósia dividida de fato.

Husseyin Silman, um turco-cipriota originário da capital, conta à AFP que seus pais seguem traumatizados e “contrários a qualquer forma de reunificação”.

Mas este homem, que trabalha para o centro de análises Global Policies Center, é otimista de que as novas gerações possam ver a questão com outros olhos.

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