Em livrarias, pela Internet ou nas ruas, os chilenos esgotam as edições de sua Constituição – um legado da ditadura de Augusto Pinochet -, em pleno processo para mudá-la pela primeira vez desde a volta à democracia.

O texto legal é o livro de não ficção mais vendido da última semana em livrarias de Santiago e também no comércio de rua, que floresce nestes dias no calor das marchas multitudinárias.

“A Constituição, meninos… Barata, para votarmos”, gritava um vendedor ambulante na avenida Alameda, onde vendia a 1.000 pesos (1,3 dólar) a versão pirada da Carta Magna.

“Queima essa bobeira, irmão!”, gritou um pedestre ao passar ao seu lado, desconfiado do acordo alcançado na semana passada pelo Congresso para convocar um plebiscito para abril no qual se votará em uma mudança da Constituição e se definirá o mecanismo de mudança, em uma tentativa de silenciar os protestos sociais que eclodiram há um mês no Chile.

Em quiosques do centro de Santiago, o livro foi o best-seller do momento.

“Não era um livro muito cotado e agora são vendidos 10 ou 12 por dia; é um aumento considerável”, relata à AFP Emanuel Rivas, um venezuelano de 31 anos que mora há dois em Santiago, que vendia o texto em um posto do centro da cidade.

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O fenômeno se repete nas livrarias estabelecidas. O texto – editado pela Editorial Jurídica – liderava o ranking de livros de “não ficção” da última semana da Revista do Livro do jornal El Mercurio. Seguem-no “Héroes, historia secreta de Chile”, de Jorge Baradit, e “Astrología para tiempos difíciles”, de Consuelo Ulloa.

“Foi possível perceber um interesse destacado por adquirir o texto da Constituição Política da República, sem que seja possível dimensionar o número exato de exemplares vendidos, pois o fechamento é feito ao fim do mês”, explica à AFP Juan Contreras, administrador de livrarias da Editorial Jurídica.

Mas em números aproximados, as vendas em novembro “representam um volume de cerca de 40% a mais que tudo o que foi vendido no ano de 2018 e 20% em comparação com o mês de setembro passado”, acrescentou.

– Por que a compram? –

Jovens e adultos compram os exemplares da Constituição e todos dizem que o fazem para saber o que diz o texto, vigente desde 1980, acrescenta Rivas, vendedor venezuelano.

A atual Constituição chilena, que foi aprovada na ditadura em um plebiscito questionado, se situa hoje à frente das reivindicações dos cidadãos, ao fazer perdurar a influência dos grupos conservadores para além do fim da ditadura e marcar as desigualdades da sociedade chilena.

Mas alguns também se confundem e acreditam que já é o texto reformado.

“As pessoas pensam que é a nova e me perguntam: é a nova? Como assim, tão ignorantes!”, queixa-se Jorge Ulloa, um aposentado de 65 anos que a vendia no passeio Ahumada de Santiago (centro).

“Compram para lê-la. Muitos admitem que nunca a tinham lido e querem estar informados, alguns para participar de cabildos cidadãos”, diz Moisés Vergara, vendedor de uma das livrarias da Editorial Jurídica.

Após o acordo no Congresso, aonde chegaram parlamentares da oposição e o governo do direitista Sebastián Piñera, os chilenos deverão decidir em um plebiscito, em abril – em dia ainda não definido – se reformam ou não a Constituição do regime de Pinochet (1973-1990).

Também se votará nessa mesma instância sob qual mecanismo será possível fazer a mudança: mediante uma Assembleia Constituinte, como defende a oposição, ou com uma convenção mista que inclua membros do Congresso e constituintes, como quer a situação.


Se for aprovada a modificação constitucional, os chilenos deveriam eleger em outubro os constituintes, que terão um prazo inicial de nove meses para redigir um novo texto, o qual deverá ser ratificado em outra consulta, desta vez com o voto obrigatório em dois anos mais, aproximadamente.


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