Chile volta às urnas para decidir se adota nova Constituição

Chilenos optam entre manter texto em vigor desde a ditadura de Augusto Pinochet ou aceitar nova versão, ainda mais conservadora. Votação ocorre em meio a desinteresse do eleitorado.Os chilenos começaram a votar neste domingo (17/12) em um plebiscito para decidir se mantêm a criticada Constituição em vigor desde a ditadura de Augusto Pinochet ou escolhem um novo texto, ainda mais conservador. A votação ocorre longe da efervescência com que este processo começou há quatro anos.

Mais de 3.200 locais de votação abriram para receber os 15,4 milhões de cidadãos aptos a votar.

A atual Carta Magna está em vigor desde a ditadura (1973-1990), mas foi reformada dezenas de vezes na democracia.

Os locais de votação são fechados às 18h (hora local), e o resultado deverá ser conhecido algumas horas depois.

De 17 capítulos e 216 artigos, o texto não obteve consenso político no Conselho Constitucional, órgão de 50 vereadores eleitos nas urnas que elaborou a proposta durante seis meses e onde ultraconservadores e a direita tradicional formaram a maioria, com 22 e 11 assentos, respectivamente.

Novo texto reduz Estado e limita direitos

O texto reduz o peso do Estado, pode limitar alguns direitos, como o aborto terapêutico, e endurece o tratamento a imigrantes, ameaçando aqueles que estão em situação irregular com expulsão "no menor tempo possível".

As sondagens, que não podem mais ser divulgadas a partir de duas semanas antes das eleições, antecipam uma vitória da opção "contra", embora com uma percentagem de dois dígitos de indecisos que poderá fazer pender a balança.

Tudo isso ocorre diante do baixo interesse da população. "Não estou muito interessada na eleição. Vou votar porque é obrigatório, mas sei que não vai acabar em nada, vai acabar tudo igual", disse Paula, enfermeira de 24 anos. técnico, disse à agência de notícias AFP.

A direita defende que a nova proposta constitucional é melhor que a atual Carta Magna porque incorporaria as atuais preocupações dos cidadãos, como a segurança e a migração.

Já a esquerda qualifica a proposta como "dogmática", argumentando que perpetua o modelo neoliberal que o regime instalou e acarreta "retrocessos" nos direitos sociais.

Segundo processo constitucional

Este é o segundo processo constitucional que o Chile atravessa, depois daquele que terminou em setembro de 2022 com uma rejeição retumbante por parte do eleitorado de um projeto escrito por uma convenção de maioria esquerdista que propunha uma transformação radical das instituições chilenas.

Apesa de as últimas sondagens indicarem a vitória da rejeição ao novo texto, especialistas dizem que o cenário é mais aberto do que parece, porque o voto é obrigatório – regra implementada em 2022 – e há um grande conjunto de eleitores desconhecidos que estão afastados das urnas há anos.

Outra incógnita é até que ponto a opção defendida pela esquerda, a de rejeitar a proposta, será afetada um caso de corrupção que afeta um dos partidos da coligação governista e que nos últimos dias ganhou força com a detenção de duas pessoas.

Se rejeitada, a atual Constituição permanecerá em vigor, e o debate constitucional será encerrado pelo menos durante este mandato já que o presidente chileno, Gabriel Boric, já disse que não promoverá uma terceira tentativa.

O governante viajou para a sua terra natal, Punta Arenas, mais de 3 mil quilômetros ao sul de Santiago, para votar de manhã cedo e depois regressou à capital para acompanhar o escrutínio.

Processo começou em 2020 após protestos

Em novembro de 2020, 80% dos chilenos decidiram iniciar um processo para alterar a Constituição em vigor desde a ditadura em resposta aos protestos massivos e violentos que eclodiram em outubro de 2019.

Uma Assembleia Constituinte dominada pela esquerda elaborou um texto progressista, que incluiu transformações profundas, como a eliminação do Senado e o direito ao aborto, mas que acabou por afastar os eleitores, que o rejeitaram por 62%.

Iniciou-se outro processo, agora liderado pelo ultraconservador Partido Republicano, que elaborou um texto sob a sua ideologia e sem chegar a um consenso.

"Há um esgotamento dos cidadãos em relação ao processo constitucional, onde nem no primeiro processo como neste não se chegou a um consenso sobre o que queriam", disse Carolina Lefort, advogada de 42 anos.

"É impressionante que isso esteja acontecendo no Chile, um país no contexto latino-americano reconhecido por uma boa classe política, aberto, tolerante, ao diálogo e sempre em busca de acordos e consensos", diz Michael Shifter, ex-presidente da Comissão Interamericana Centro de estudos de diálogo e professor da Universidade de Georgetown.

Segurança e economia preocupam mais

O aumento dos crimes violentos – que os chilenos associam à chegada de migrantes estrangeiros, na sua maioria venezuelanos – e uma economia que não arranca depois de um forte ajustamento destinado a conter a inflação, concentram agora a atenção da população.

Quatro anos depois de saírem às ruas para exigir maior justiça social, os chilenos querem agora mais polícia, ordem e segurança.

"É outro Chile. O país mudou drasticamente", ressalta Shifter. "E de certa forma tornou-se um país mais latino-americano. Os chilenos sempre se consideraram uma exceção, um país mais europeu e não como os seus vizinhos, e agora parecem um pouco mais parecido com eles."

Embora a Constituição tenha sido reformada diversas vezes na democracia, a substituição do texto da era Pinochet era uma aspiração antiga da esquerda chilena. Mas confrontados com uma proposta ainda mais conservadora, os partidos de esquerda chilenos apelaram ao voto "contra". O "mal menor" diante de um texto que aprofunda ainda mais o modelo neoliberal.

md (AFP, EFE)