Após a operação policial mais letal na história do Rio de Janeiro, o delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Artur Dian, defendeu o trabalho integrado das forças policiais estaduais e da União no combate às facções criminosas. Para Dian, o apoio entre agências agiliza a asfixia do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV), que já se infiltra em regiões do estado.
A declaração reforça a defesa de governadores e do próprio Palácio do Planalto, que apresentou a PEC da Segurança, enviada à Câmara dos Deputados em abril deste ano. O tema ganhou ainda força após a operação da Polícia do Rio de Janeiro contra membros do CV nos Complexos da Penha e do Alemão. De acordo com o governo fluminense, 121 pessoas morreram na operação.
Embora veja viabilidade no projeto apresentado pelo governo, Dian afirma serem necessárias diversas mudanças na proposta original. O chefe da Polícia Civil paulista defende a independência entre as forças de segurança, mas admite que a união entre os poderes estaduais e federal agiliza a asfixia do crime organizado.
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“O trabalho integrado entre todos os órgãos de segurança pública é fundamental. A PEC precisa ser revisada para respeitar o pacto federativo e oferecer instrumentos eficazes a cada ente, conforme suas competências. Diversos pontos da proposta desconsideram o papel das polícias estaduais, que atuam com eficiência tanto em casos pontuais quanto em questões gerais de segurança pública”, afirmou.
A proposta também ganhou força após o trabalho integrado entre as forças de São Paulo e da União contra o PCC nos últimos meses. Em agosto, Polícia Civil, Ministério Público de São Paulo, Polícia Federal e Receita Federal deflagraram a operação Carbono Oculto, que investiga os braços da facção criminosa no setor financeiro e de combustíveis. Mandados de busca e apreensão foram cumpridos na Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, visto como o coração financeiro do país.
Artur Dian defendeu que a PEC faça um reajuste no sistema criminal, reavaliando benefícios carcerários e a audiência de custódia para alguns crimes. “É igualmente necessária uma reforma no sistema de justiça criminal. É preciso reavaliar diversos benefícios carcerários, inclusive a audiência de custódia – que pode ser adequada para determinados crimes, mas não para todos. Trata-se de um conjunto de normas e dispositivos legais que demandam revisão para que possamos aplicá-los de forma eficaz na segurança pública e evoluir continuamente”.

Artur Dian, delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, em entrevista à IstoÉ
Além do PCC, a Polícia Civil de São Paulo está monitorando a entrada de outras facções criminosas no estado. Um deles é o próprio Comando Vermelho, que tenta ampliar seus espaços pelo país. Dian alerta que um grupo do CV foi diagnosticado na região de Piracicaba, no interior de São Paulo. Uma operação da Polícia Civil conseguiu prender alguns líderes da organização criminosa na região.
“Essa articulação é crucial para interromper a expansão criminosa em seu estágio inicial. Realizamos operações significativas que detectaram a presença do Comando Vermelho, resultando na prisão de integrantes e na apreensão de elementos que deram continuidade às investigações”, afirma.
“A troca constante de informações e as operações conjuntas realizadas no Rio de Janeiro e em São Paulo – com apoio mútuo entre os estados – permitiram identificar a instalação da facção em novas regiões, como ocorreu com o Comando Vermelho na área de Piracicaba”, concluiu.
Além do CV, facções do Norte do país também têm buscado seu espaço em São Paulo. “No momento, o Comando Vermelho é a principal, mas temos indícios da atuação da Quadrilha do Norte, que ocasionalmente envia integrantes para a região. Graças à cooperação entre todas as polícias do Brasil, temos conseguido detectar esses movimentos”, reforçou Dian.
Confira a entrevista completa com Artur Dian, delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo
Como avalia os resultados da Polícia Civil desde que assumiu em 2023?
A maioria dos índices… Era um desafio nosso baixar os índices quando nós entramos, quando o governador Tarcísio assumiu e me convidou junto com o secretário Ritchie, obviamente que já era um amigo meu de longa data, um excelente profissional de Segurança Pública, depois um deputado atuante. E um desafio grande era baixar esses índices criminais e aumentar a produtividade policial.
Nós tínhamos alguns problemas a serem enfrentados: não só os índices altos, mas também um déficit muito grande, principalmente na Polícia Civil e na Segurança Pública como um todo. Começamos a atacar pontualmente, elencamos alguns tópicos: prender as principais lideranças, atacar essa cadeia do crime organizado, que a gente percebia em todos os aspectos, tanto na asfixia operacional quanto na asfixia financeira, e trazer a sensação de segurança para a população. E a gente está trabalhando e está tendo ótimos resultados.
Claro que ainda há muito a ser feito e nós estamos fazendo todos os dias. Todos os dias temos operação em algum canto do Estado, em algum departamento da Polícia Civil principalmente, Polícia Militar também trabalhando ativamente junto com a Polícia Técnico-Científica. Mas a pasta da Segurança está trabalhando bastante e tem obtido ótimos resultados.
Qual a participação do sistema de monitoramento inteligente na redução dos índices de criminalidade?
A implantação do sistema da Muralha Paulista, agregado ao Smart Sampa, é imprescindível para a pasta da segurança pública. Hoje não conseguiríamos trabalhar sem tecnologia. O investimento foi bastante alto em tecnologia, tanto em ferramentas de investigação quanto de inteligência, que também estão interligadas ao Muralha Paulista, juntamente com os tantos municípios que hoje abrangemos – cerca de 65% da população já atendida pelo sistema.
Em São Paulo temos o Smart Sampa, que tem apresentado resultados muito positivos. Esses sistemas interligados suprem tanto a necessidade de informações, inteligência e investigações – complementando-as – quanto auxiliam na sensação de segurança. A população começa a perceber que está sendo protegida por sistemas de segurança e ferramentas importantes, desenvolvidas por nós ou trazidas de outros países.
Nossa equipe viaja frequentemente em missões técnicas para conhecer referências internacionais, mas temos trabalhado intensamente no desenvolvimento dessa tecnologia para agregar, a cada dia, ferramentas mais eficazes na solução de crimes.
Como foi a ideia de desenvolvimento do Muralha Paulista?
Sim, nós desenvolvemos o sistema dentro da própria Polícia Civil. Obviamente, alguns equipamentos e ferramentas são importados de outros locais, mas o principal, a espinha dorsal do Muralha Paulista, foi desenvolvida pela Secretaria de Segurança. Essa foi uma bandeira do secretário Guilherme Derrite desde o início: contar com uma solução própria, desenvolvida internamente para atender nossas necessidades específicas, otimizando e incorporando essas ferramentas no cotidiano policial, de modo a auxiliar diretamente o profissional que atua na linha de frente.
Qual o estágio atual da Operação Carbono Oculto contra o PCC?
Já realizamos inclusive a segunda fase dessa operação, que foi conduzida de forma interagências, como você mencionou corretamente, envolvendo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, o Ministério Público – que teve atuação fundamental –, a Polícia Federal, a Receita Federal e a Secretaria da Fazenda. Atualmente, percebemos claramente a necessidade de atuar nesse modelo colaborativo.
Não é mais possível – ou melhor, é possível, mas dependemos essencialmente de dados de outras instituições para constituir um conjunto investigativo sólido, capaz de revelar a verdade dos fatos e embasar o desencadeamento dessas operações. Portanto, é fundamental trabalharmos em conjunto com outros órgãos, como ocorreu na Operação Carbono Oculto e em outras ações similares.
Essas operações revelaram um sistema altamente estruturado de lavagem de dinheiro e de utilização da economia formal para que as facções, especialmente o PCC, pudessem pulverizar recursos de origem ilícita e convertê-los em recursos legítimos – caracterizando o branqueamento de capitais.
Como o PCC conseguiu dominar setores como combustíveis e hotelaria?
A investigação já era resultado de trabalho conjunto do Ministério Público e dos órgãos de segurança pública, baseada na suspeita de que o Primeiro Comando da Capital estaria envolvido com o setor de combustíveis – atuando desde poços de petróleo até destilarias e usinas. Conseguimos comprovar essa atuação ao rastrear o fluxo financeiro até instituições do sistema formal. Hoje, está evidente que o crime organizado está inserido na economia legal.
O grupo capta recursos ilícitos provenientes de fraudes digitais, furtos, roubos e tráfico de drogas, e precisa lavar esse dinheiro em razão dos vultosos volumes envolvidos. Dessa forma, buscam inserir esses valores no mercado por meio de aparência legalidade. Conseguimos completar esse cerco investigativo e identificar os pontos finais onde esses recursos eram aplicados e lavados. Novas fases da operação serão deflagradas para capturar mais integrantes dessas quadrilhas e dessa organização criminosa consolidada.
Durante muito tempo, o Poder Público não reconhecia formalmente essa estrutura, mas hoje a identificamos e combatemos energicamente em todas as frentes – tanto na esfera operacional quanto na financeira, desde o pequeno traficante até as grandes instituições financeiras ilegais que lavam capitais. Atualmente, é imprescindível realizar um trabalho sistêmico para combater o crime organizado de forma efetiva.
Há outras áreas de atuação do PCC sob investigação?
Identificamos atuação em setores como combustíveis e motéis, mas temos dezenas de outras áreas sob investigação atualmente. Esses processos em andamento visam comprovar o enraizamento do crime organizado na economia formal, incluindo o varejo e diversos outros segmentos.
No setor público também existem indícios e investigações. Por meio de operações contra organizações sociais, por exemplo, constatamos a infiltração na administração de hospitais vinculados a prefeituras.
Infelizmente, devido a uma possível negligência do Estado ou a uma combinação de fatores, o crime organizado conseguiu se infiltrar em múltiplos setores da sociedade.

Artur Dian, delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, em entrevista à IstoÉ
Por que o PCC cresceu tanto nos últimos 20 anos? Houve negligência do Estado?
De certa forma, o Estado não reconheceu o poder do crime organizado, nem percebeu como suas raízes se estabeleciam e em quais setores atuavam. Infelizmente, eles tiveram tempo para se organizar e se estruturar.
Atualmente, não lidamos apenas com lideranças presas, mas também com líderes inseridos em diversos segmentos da sociedade. Como mencionado anteriormente, é possível estar em um restaurante – seja popular ou de alto padrão – e encontrar ao lado pessoas envolvidas com o crime organizado, agora enraizadas no tecido social.
Quais os próximos passos para asfixiar financeiramente o PCC?
É necessário dar continuidade às ações em curso, combatendo o crime organizado em todas as suas frentes – desde o pequeno traficante até os mecanismos de lavagem de dinheiro. Realizamos uma operação significativa no centro de São Paulo, na região conhecida como Cracolândia, que ilustra essa atuação sistêmica. Fechamos mais de setenta hospedarias que eram utilizadas tanto para a venda de drogas por traficantes de pequeno porte quanto para a prática de prostituição por usuários.
Os CNPJs desses estabelecimentos eram usados para enviar recursos a instituições aparentemente legais, que, por sua vez, os repassavam a outras organizações formais – fluxo que culminava em estruturas como as identificadas na Operação Carbono Oculto, envolvendo fintechs, instituições financeiras e pequenos hotéis. Chegamos a constatar hotéis de aproximadamente dez quartos, localizados no coração da Cracolândia, faturamento entre dez e quinze milhões de reais mensais.
Portanto, é imperativo combater e asfixiar financeira e operacionalmente o crime organizado. Dessa forma, será possível inicialmente estancar seu crescimento para, em seguida, reduzi-lo mediante a prisão de integrantes, o afastamento desses indivíduos da circulação e a apreensão de seus bens.
Atualmente, temos um laboratório de análise de lavagem de dinheiro examinando mais de vinte bilhões de reais – valores que, comprovada sua origem ilícita, poderão ser revertidos à segurança pública e ao Ministério Público, conforme decreto do governador Tarcísio. Esses recursos serão destinados ao fortalecimento institucional, aquisição de materiais, equipamentos e valorização dos profissionais da área, em benefício da população.
Como planejam asfixiar financeiramente o PCC? Quais as próximas frentes de atuação?
Cada etapa dessas operações gera um volume significativo de material, que é utilizado para fundamentar as fases subsequentes. Dessa forma, conseguimos tanto retirar indivíduos de circulação – por meio de prisões temporárias, preventivas e sequestro de bens e valores – quanto identificar as conexões estabelecidas entre eles, assegurando que nenhuma linha de investigação permaneça em aberto. Essa tem sido uma estratégia adotada de forma constante, em conjunto com as demais instituições.
Mantemos reuniões rotineiras e grupos de trabalho estruturados para que cada organização contribua com partes da investigação e informações relevantes, consolidando todos os dados antes do desencadeamento das operações. O trabalho é diário e contínuo, visando asfixiar efetivamente o crime organizado.
Como classificar o PCC hoje: máfia, organização criminosa ou grupo terrorista?
Não há dúvidas de que se trata de uma organização criminosa altamente estruturada, com significativo poder financeiro, já classificada como terrorista por alguns países. Quanto à caracterização como máfia, não afirmaria que já atingiu esse patamar, mas se permitirmos sua evolução natural, poderá alcançar o status de máfias históricas, como as da Itália. Esse grupo está se infiltrando na economia formal, praticando extorsão contra comerciantes e diversos crimes, com risco de se enraizar profundamente na sociedade – o que representaria um problema de proporções muito maiores. Portanto, é imperativo impedir que esse cenário se concretize.
Temos iniciativas legislativas em andamento, inclusive com a liderança do secretário Derrite – que, como parlamentar, participa de grupo de estudos na Secretaria de Segurança Pública –, visando classificar essas organizações criminosas como terroristas perante o Congresso Nacional.
Como investigam a infiltração do PCC em polícias?
Em todas as nações, inclusive nos países de primeiro mundo, observa-se que parcelas do poder público estão envolvidas com a criminalidade. Aqui não é diferente.
Tivemos um exemplo recente. Desde o início, a diretriz do governador Tarcísio e do secretário Derrite foi cortar na própria carne, se necessário. Foi exatamente o que ocorreu.
Um crime bárbaro foi cometido em plena luz do dia, como mencionado, no maior aeroporto do país, e tal ato não poderia ficar impune. Custe o que custar, não poderíamos deixar esse caso cair no esquecimento.
As investigações indicaram que funcionários públicos e policiais, tanto civis quanto militares, teriam algum tipo de envolvimento, direto ou indireto. Os policiais foram presos. Essa postura de cortar na própria carne é fundamental para que se chegue à solução do caso.
É necessário apurar quem cometeu o delito sem favorecer qualquer pessoa envolvida. A expressão pode não ser técnica, mas não podemos escolher quem será responsabilizado e encaminhado à Justiça, independentemente de sua posição.
Houve negligência do Estado em relação à infiltração do PCC nas instituições?
Não afirmaria que se trata de negligência, mas considerando que a Segurança Pública possui entre 110 e 120 mil profissionais, é inevitável que ocorram desvios de conduta. Essa realidade justifica a importância fundamental dos órgãos correcionais.
Estamos implementando progressivamente sistemas de controle e monitoramento para acompanhar os policiais desde a Academia, onde realizamos investigação social dos candidatos e monitoramos seu desenvolvimento, até durante toda a carreira. Contudo, os desvios ainda ocorrerão – caso contrário, não haveria necessidade das correitorias.
Essas instituições correcionais atuam com efetividade. Temos acompanhado casos relevantes de policiais com suspeita de envolvimento com o crime organizado, situação que não será tolerada sob nenhuma circunstância.

Artur Dian, delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, em entrevista à IstoÉ
Como monitoram a chegada do Comando Vermelho em São Paulo?
Mais uma vez, ressalta-se a importância do trabalho interagências. Especificamente em relação ao Comando Vermelho, mantemos uma colaboração muito próxima com a Polícia Civil do Rio de Janeiro e com a Secretaria de Segurança do estado.
A troca constante de informações e as operações conjuntas realizadas no Rio de Janeiro e em São Paulo – com apoio mútuo entre os estados – permitiram identificar a instalação da facção em novas regiões, como ocorreu com o Comando Vermelho na área de Piracicaba.
Essa articulação é crucial para interromper a expansão criminosa em seu estágio inicial. Realizamos operações significativas que detectaram a presença do Comando Vermelho, resultando na prisão de integrantes e na apreensão de elementos que deram continuidade às investigações. Da mesma forma, atuamos no Rio de Janeiro em casos envolvendo a facção, inclusive na proteção de indivíduos ligados ao crime do Gritzbach, como mencionado.
Esse trabalho conjunto é fundamental, considerando que conflitos entre facções podem ocorrer. Embora São Paulo tenha predominância do PCC, há registros de outras organizações. No momento, o Comando Vermelho é a principal, mas temos indícios da atuação da Quadrilha do Norte, que ocasionalmente envia integrantes para a região. Graças à cooperação entre todas as polícias do Brasil, temos conseguido detectar esses movimentos.
Qual o andamento das investigações do assassinato do delegado Ruy Fontes?
Uma das nossas premissas desde o início da gestão é a aproximação imediata do local do crime nos primeiros minutos ou horas. No caso do doutor Rui, não foi diferente: tratou-se de um assassinato lamentável de um amigo, ex-delegado-geral e servidor público que dedicou quarenta anos ao combate ao crime organizado.
O episódio pode ser classificado como um atentado terrorista. Indivíduos armados com rifles efetuaram diversos disparos contra uma vítima indefesa, que havia sofrido um acidente momentos antes – conforme demonstrado pela análise exaustiva das imagens. A investigação foi iniciada rapidamente e progrediu, revelando-se complexa. O crime envolveu preparação e planejamento, estimados entre quatro e seis meses.
Nove pessoas foram identificadas por participação direta ou indireta no assassinato. Seis delas já estão presas, inclusive uma capturada ontem. Dois outros indivíduos estão sendo monitorados e serão presos em breve. Um nono suspeito, que se escondia no Paraná, foi localizado com apoio da polícia local. Durante a prisão, optou pelo confronto, foi neutralizado e veio a óbito.
Esse indivíduo era provavelmente um dos executores diretos – responsável por parte dos disparos contra o doutor Rui. As investigações continuam, e todos os envolvidos nesse assassinato brutal serão levados à Justiça.
Já identificaram o mandante e o motivo do crime?
A investigação está em andamento. Alguns aspectos precisam ser preservados para não comprometer o trabalho da equipe, pois qualquer antecipação de informações poderia prejudicar o processo.
Quanto à motivação, como perguntado, existem duas linhas de apuração. A primeira relaciona-se à trajetória profissional do doutor Rui, que atuou intensamente contra o crime organizado ao longo de toda sua carreira. Desde 2006, ele já sofria ameaças.
Em 2011, o atual secretário Derrite prendeu um indivíduo que planejava assassiná-lo. Novas ameaças ocorreram em 2019, inclusive durante seu exercício como delegado-geral da Polícia.
Essa linha investigativa permanece ativa. A segunda vertente refere-se ao período em que atuou na Prefeitura de Praia Grande, onde pode ter identificado irregularidades ou obstruído atividades de pessoas envolvidas em ilícitos.
O que está confirmado é a autoria do crime por integrantes do crime organizado. Tanto os presos quanto o indivíduo falecido possuíam vínculos faccionais, passagens pelo sistema criminal e cumpriram penas em presídios controlados por essas organizações.
Trabalhamos com evidências e fatos concretos, que demonstram o envolvimento do crime organizado. A motivação específica e a identificação do mandante serão apuradas e determinadas pela investigação.
Como estão as investigações sobre as bebidas adulteradas com metanol?
É importante destacar que o combate a esse tipo de crime já é realizado há anos pelas polícias, especialmente pela Polícia Civil, na identificação de destilarias ilegais que produzem ou adulteram bebidas. Apenas este ano, mais de cinquenta pessoas foram presas.
Diante do problema de consumo de álcool contaminado com metanol, o governador instalou imediatamente um gabinete de crise com a participação do secretário Derrite e demais secretários. Foram envolvidas ainda outras pastas e empresas privadas do setor de bebidas – inclusive multinacionais idôneas –, formando uma força-tarefa dedicada ao tema.
Ocorreram mortes lamentáveis, além de casos de pessoas intoxicadas e com perda de visão. Embora o problema não tenha se alastrado para milhares de pessoas, foi grave. A perda de visão de uma única pessoa já seria suficientemente séria; com as fatalidades, tornou-se ainda mais crítico.
Dedicamo-nos integralmente ao caso e iniciamos a análise de toda a cadeia produtiva, partindo das vítimas até a origem da contaminação. No caso específico de um óbito, a necrópsia detectou metanol no organismo. A investigação retrocedeu ao estabelecimento onde a vítima consumiu a bebida, com a apreensão dos produtos. Em seguida, rastreamos os vendedores, intermediários e pontos de distribuição, até chegar ao distribuidor.
Na semana passada, foi presa uma mulher – cujo marido é procurado e já tem antecedentes por falsificação de bebidas –, enquadrada no Artigo 272, Parágrafo 1º do Código Penal. Foi confirmado que a bebida contaminada partiu dessa origem.
A investigação agora avança para apurar a procedência do álcool contaminado. Embora não se possa afirmar que um criminoso seja vítima de outro, é provável que o etanol com metanol tenha sido adquirido – conscientemente ou não – para adulteração. Utilizar etanol de posto de gasolina já configura crime gravíssimo contra a saúde pública e o consumidor.

Artur Dian, delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, em entrevista à IstoÉ
Por que descartam participação do PCC no caso do metanol?
Como afirmei, trabalhamos com base em fatos e evidências concretas. Até o momento, considerando todas as prisões e apreensões realizadas, não há qualquer indicativo de participação do crime organizado. Tratam-se de associações criminosas ou quadrilhas que atuam de forma independente, eventualmente com pequenas conexões comerciais entre si, mas sem a estruturação típica de uma organização consolidada.
Não observamos a existência de canis próprios para produção, nem o padrão de utilização de escritórios advocatícios comuns – características usuais do crime organizado. Portanto, as investigações atuais não apontam para o envolvimento de organizações criminosas como o PCC.
Ressalto que esta é a situação atual, baseada nos elementos disponíveis. Se futuramente as investigações identificarem o envolvimento dessas organizações nesse tipo de crime, evidentemente comunicaremos à imprensa e tornaremos essa informação pública. Até o presente momento, porém, essa não é a constatação.
Por que só agora as falsificações ganharam tamanha repercussão?
Não, esse tipo de crime vem sendo combatido há anos. O que ocorreu recentemente foi um agravante relevante: a introdução de metanol nas adulterações. Contudo, a falsificação de bebidas já era alvo de ação constante por parte das autoridades.
No DEIC, há uma delegacia especializada em falsificações – incluindo a Divisão de Crimes contra o Consumo do DPPC –, que atua contra ilícitos que afetam a saúde pública e o erário. Para dimensionar a atuação, foram apreendidas mais de quinze milhões de etiquetas fiscais, além de milhares de rótulos e garrafas. O trabalho de repressão a esses delitos é contínuo.
Assim como em outras modalidades criminosas, a dinâmica é complexa: enquanto um infrator é detido, outro surge em diferente localidade. Trata-se de um combate permanente, mas que tem produzido resultados graduais na redução dessas práticas.
O caso envolvendo metanol intensificou os esforços, com operações mais robustas e frequentes. Na última semana, foram cumpridos vinte e um mandados de busca decorrentes de uma prisão importante realizada anteriormente. As ações continuam de forma efetiva para coibir essa modalidade delitiva.
Como está a situação do déficit de policiais civis?
No início da gestão do governador Tarcísio e do secretário Derrite, identificamos um déficit de 33% no efetivo. Diante dessa constatação, o governador autorizou a realização dos dois maiores concursos da história da corporação.
No primeiro concurso, foram integrados 4.017 policiais. O segundo processo seletivo, atualmente em fase final, acrescentará mais 3.500 profissionais. Com isso, teremos 7.500 policiais civis recompondo os cargos vagos, elevando nosso efetivo para aproximadamente 33 mil integrantes.
Reconhecemos que a demanda por segurança em um estado com população equivalente à da Espanha exige constante ampliação do contingente. Por isso, já estamos em fase de elaboração de um novo concurso, com autorização do secretário Derrite. Paralelamente, suprimos as necessidades com inteligência, ferramentas de investigação e tecnologia.
Implementamos também uma reestruturação territorial, fechando delegacias com baixa demanda processual e transferindo seus acervos para outras unidades. Algumas dessas delegacias foram reabertas em horário diurno, otimizando recursos e priorizando a investigação – função primordial da Polícia Civil.
Essa reorganização já apresenta resultados positivos para a segurança pública.
O que falta para aumentar a eficiência da Polícia Civil?
A Polícia Civil requer aprimoramento constante, e estamos dedicados a esse objetivo. Trabalhamos continuamente na capacitação e valorização dos profissionais. O governador Tarcísio concedeu um aumento significativo no primeiro ano de governo, com outros reajustes previstos – sempre com responsabilidade fiscal.
No cotidiano, evoluímos em múltiplas frentes: os órgãos correcionais se aperfeiçoam, a qualidade das investigações e dos inquéritos policiais avança, e o bem-estar dos servidores é priorizado.
Nossa matéria-prima principal não é a arma ou a viatura, mas o ser humano – o policial que dedica dois terços de sua vida ao serviço nas delegacias. Cuidar desses profissionais é nossa missão fundamental. Reconhecemos as limitações da burocracia estatal, mas atuamos para maximizar o reconhecimento e assegurar condições dignas de trabalho, com equipamentos de proteção individual e todos os recursos necessários para, no final do processo, obtermos investigações de maior qualidade.
Quanto aos principais desafios, o déficit de pessoal – já em fase de recomposição – era um gargalo crítico. Paralelamente, reformamos instalações e implementamos melhorias de forma sistêmica para consolidar os benefícios mencionados.
Qual sua avaliação sobre a PEC da Segurança Pública?
Sem dúvida, o trabalho integrado entre todos os órgãos de segurança pública é fundamental. A PEC precisa ser revisada para respeitar o pacto federativo e oferecer instrumentos eficazes a cada ente, conforme suas competências. À União, por exemplo, cabe a proteção das fronteiras, assim como a obrigação de atuar conjuntamente com os estados no combate ao crime organizado e em problemas específicos, sem, contudo, centralizar exclusivamente essas atribuições.
Diversos pontos da proposta desconsideram o papel das polícias estaduais, que atuam com eficiência tanto em casos pontuais quanto em questões gerais de segurança pública. Portanto, entendo que a PEC ainda requer significativa revisão para alcançar um consenso.
É igualmente necessária uma reforma no sistema de justiça criminal. Não é mais aceitável a existência de uma “porta giratória” no Judiciário, em que indivíduos presos por três, quatro ou cinco roubos retornam às ruas e voltam a cometer crimes, inclusive latrocínios e homicídios, poucos dias ou meses depois.
Para ilustrar, em nossa gestão, foram presas aproximadamente 520 mil pessoas de 1º de janeiro a 30 de setembro – número equivalente à população de grandes cidades. No entanto, a população carcerária atual é de cerca de 210 mil indivíduos. Quando assumimos, esse total era próximo a 200 mil. Onde estão as 520 mil pessoas presas? Muitas ingressaram no sistema por uma porta e saíram por outra, reincidindo em delitos.
É preciso reavaliar diversos benefícios carcerários, inclusive a audiência de custódia – que pode ser adequada para determinados crimes, mas não para todos. Trata-se de um conjunto de normas e dispositivos legais que demandam revisão para que possamos aplicá-los de forma eficaz na segurança pública e evoluir continuamente.