Havia a expectativa de Damien Chazelle e Barry Jenkins se enfrentassem de novo no próximo Oscar. No ano passado, dividiram os prêmios de melhor filme (Jenkins, por Moonlight – Sob a Luz do Luar) e direção (Chazelle, por La La Land – Cantando Estações). Este ano, ambos estão sendo, mais uma vez, cobertos de elogios pela crítica dos EUA. Chazelle, com O Primeiro Homem, e Jenkins, com Se a Rua Beale Pudesse Falar. Mas aí veio a estreia de O Primeiro Homem, e o filme ficou muito aquém do esperado na bilheteria, levantando suspeitas se terá fôlego para concorrer à próxima edição de prêmios da Academia.

Na indústria, estão surgindo as mais variadas interpretações para o insucesso de O Primeiro Homem – sobre a odisseia do astronauta Neil Armstrong, primeiro homem a caminhar na Lua. Na América patrioteira de Donald Trump, pegou mal o fato de o filme não mostrar o momento em que Armstrong plantou a bandeira dos EUA no arenoso solo lunar. Alguns apoiadores do presidente na imprensa chegam a levantar a questão – qual é a utilidade de um filme desses, se não for para mostrar a supremacia norte-americana? O Primeiro Homem não só não é uma exaltação patriótica como se desenha como uma antiepopeia.

Damien Chazelle cobra o preço da corrida espacial – em custos e vidas. A morte é um tema central, e uma perda visceral está na origem da dedicação de Armstrong ao projeto. O porquê de caminhar na Lua. Como todo herói do diretor – os músicos de Whiplash e La La Land -, ele busca alguma coisa. A perfeição, o limite? A questão é sempre o ‘pós’. O custo. O que se ganha, o que se perde? O vazio. O Primeiro Homem é belíssimo. Ryan Gosling e Claire Foy, da série The Crown, merecem ir para o Oscar.

Nos EUA, muita gente – público e críticos – reclamou do que foi considerado ‘traição’ do diretor Damien Chazelle. Ele omite o momento em que Neil Armstrong cravou a bandeira dos EUA na Lua, estabelecendo a supremacia norte-americana na corrida espacial com os soviéticos, nos anos 1960. Na verdade, a omissão é perfeitamente justificada, porque não era isso que interessava a Armstrong nem a Chazelle. Também aqui, omitindo o detalhe – para evitar spoiler -, o astronauta tinha uma motivação muito mais íntima, que resulta na cena mais bela do filme, mas isso é algo que você terá de avaliar assistindo a O Primeiro Homem, que estreia nesta quinta, 18, nos cinemas brasileiros.

É claro que há uma outra questão a considerar. Qualquer cinéfilo de carteirinha sabe que existe uma teoria segundo a qual o programa espacial dos EUA não conseguiu levar nenhum astronauta à Lua, e que a caminhada de Armstrong sobre o solo lunar – quando ele disse a icônica frase ‘Esse é um passo pequeno para um homem, mas gigante para a humanidade’ – teria sido encenada por ninguém menos que Stanley Kubrick, o grande diretor de 2001, Uma Odisseia no Espaço. Para incorporar essa versão – fake? -, Damien Chazelle teria de ter feito outro filme, e não o que lhe interessava, sobre a dor da perda de Armstrong e sua mulher, que ele usou como estímulo interior para prosseguir na epopeia espacial, quando tudo parecia conspirar contra ela.

Stanley Kubrick, justamente. Com 2001, o cineasta esculpiu, no imaginário coletivo, um sonho de aventura espacial. Tudo branco, cenários clean, um mundo perfeitamente comandado pelos computadores – pelo menos até que Hal-9000 enlouqueça. 2001, o filme, é de 1968, portanto completa 50 anos em 2018. É a mesma idade de Barbarella, de Roger Vadim, e não existe filme mais diferente de 2001. Ao universo minimalista – por mais grandioso que seja o visual – de Kubrick, Vadim responde com tons escuros e naves improvisadas. A chave, no filme francês, é a heroína, Jane Fonda, e sua descoberta do sexo.

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Chazelle, num certo sentido, é um autor europeu em Hollywood. O musical La La Land – Cantando Estações, que lhe valeu o Oscar de direção, tem tudo a ver com o cinema (en)cantado de Jacques Demy. O Primeiro Homem, sobre a epopeia pessoal de Neil Armstrong, primeiro homem a caminhar na Lua, está mais para Vadim do que para Kubrick.

Não tanto pelo sexo, embora Chazelle filme cenas íntimas entre Ryan Gosling, que interpreta o papel, e a magnífica Claire Foy, que faz sua mulher. A semelhança vem mais dessa constatação da precariedade tecnológica da aventura real. Olhe aí as fotos. O Neil da realidade e o da ficção (Gosling) vestem trajes rigorosamente iguais, não há por que duvidar que Chazelle não tenha reproduzido as naves como eram. Elas trepidam tanto, e os pedaços caem no interior, que o espectador se pergunta – como foi possível chegar à Lua com essas engenhocas, rústicas desse jeito. Como elas não explodiam? Ah, mas explodem. Um incêndio na Apollo provoca as mortes de três astronautas amigos de Armstrong. O filme, que se estrutura, como drama, a partir de uma perda na vida do casal Armstrong, prossegue questionando outras perdas. O que representou em custo – de dinheiro e vidas humanas – a corrida espacial?

Enquanto em Cabo Canaveral, rebatizado Cape Kennedy, manifestantes protestam contra o desperdício de dinheiro – exigindo hospitais e universidades para negros, em vez de naves para competir com os soviéticos, no contexto da Guerra Fria entre URSS e EUA -, esses protestos íntimos, em forma de dúvidas, rondam as famílias de astronautas. Há algo da desmistificação crítica de Os Eleitos, de Philip Kaufman, nessa (anti)epopeia. Como filme, é muito bem feito e interpretado. Filme de Oscar? Muito provavelmente, ou talvez, já que a bilheteria – insuficiente – vem derrubando O Primeiro Homem nos cinemas dos EUA. Em Apollo 13, Ron Howard transformou um fracasso em superação e vitória. Aqui, superados todos os riscos, Neil, em plena Lua, realiza, olha o spoiler, seu luto de pai. Chazelle – e o cinema – não perdeu a capacidade de nos surpreender, e maravilhar.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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