Por Lisandra Paraguassu

SÃO PAULO (Reuters) – Depois de mais de duas décadas em lados opostos, o Brasil pode ver os nomes do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin na mesma chapa presidencial em 2022, em um movimento que causou ceticismo no mundo político, mas, de acordo com várias fontes ouvidas pela Reuters, avança com chances reais de se tornar realidade.

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A aliança encontra obstáculos que vão da rivalidade histórica entre PSDB e PT, a pressão de aliados de Alckmin para que mantenha distância de Lula, e a resistência dentro do PT de ver um hoje quase ex-tucano, e ligado a ala mais direitista do PSDB, associado ao partido.

Ainda assim, as conversas caminham. Fontes ligadas ao ex-presidente disseram à Reuters que a ideia não partiu dele, mas Lula a teria encampado porque fecha com sua intenção de montar uma chapa que mostre unidade em um país hoje extremamente dividido. Mesmo que Alckmin feche sua filiação ao PSB, o histórico do governador, de adversário tradicional, ainda que respeitoso, do PT, mostraria a face do Lula negociador, disposto a conversar com todos os lados da política.

É essa imagem que ele quer projetar em uma campanha em que adversários o põe na posição de polarizador com o presidente Jair Bolsonaro –um “radical de esquerda” contra um radical de direita.

“Vamos tirar isso de polarização, de extremismo. Não existe isso. O que estamos falando é que cara isso vai ter? Vamos unir o país em torno da Constituição, da republicanização do Estado, uma nova turma para comandar o país, não levando esses trastes com que a gente se enrolou todo. É uma sinalização nesse sentido”, diz um ex-ministro do grupo mais próximo ao ex-presidente.

Do lado do ex-governador, o que começou como uma ideia estranha, caminhou para um certo entusiasmo, de acordo com um aliado próximo. Duas vezes candidato a presidente –em 2006, quando foi derrotado pelo próprio Lula, e 2018, quando não chegou ao segundo turno– Alckmin se vê em um papel importante de pacificação do país.

“Ele ainda não decidiu, mas está bem entusiasmado. Vê como uma oportunidade de ajudar a distensionar o país”, diz a fonte.

A quem olha com estranheza uma chapa Lula-Alckmin, os dois lados alegam que ambos sempre tiveram um bom relacionamento, já trocaram elogios públicos e nutrem respeito mútuo.

“Ele gosta de Lula, não seria nenhum peso para ele”, diz a fonte amiga do ex-governador.

“De fato a relação deles pessoal é boa, sempre foi. Não tem boi na linha, não tem passivo. As diferenças de posição são notórias, mas não geraram passivo”, diz um outro ex-ministro que hoje faz parte do núcleo próximo a Lula.

A união civilizada de opostos políticos é apontado pelo consultor de risco Creomar de Souza, da Dharma Political Risk, como um ponto positivo para a aliança.

“Em todas as duas vitórias de Lula, ele estava em um chapa com um vice mais à centro-direita. José Alencar era esse ator à época. E Lula parece ter compreendido de maneira muito firme a necessidade de ter alguém que possa diminuir algumas ansiedades que o petismo provoca em setores mais conservadores e tradicionais da sociedade”, disse Creomar.

Ao mesmo tempo, existe resistência dentro do próprio PT, ainda assustado com o fantasma de Michel Temer (MDB), vice de Dilma Rousseff, que atuou ativamente pelo impeachment da presidente.

“Creio que a grande questão é a diminuição de resistências entre a militância. A fórmula Dilma-Temer deixou uma tensão entre vários membros do partido acerca deste tipo de arranjo e me parece que esse componente interno é o maior obstáculo neste processo”, avaliou Creomar.

Entre os petistas ouvidos pela Reuters, a versão oficial é de que Lula é o candidato e ele quem escolhe seu vice –o que não impede algumas das várias tendências do partido de vociferarem contra Alckmin. Um membro histórico do partido diz que o ex-governador traz uma “simbologia ruim” e que não acrescenta nada –ao contrário, só tiraria.

“Temos que ter programas para convencer as pessoas que vale a pena sair da pasmaceira e votar na expectativa de mudança. Por isso que não pode ser o Alckmin. Ele vai concordar com os projetos do PT, depois de tudo?”, duvida esse petista.

Do lado dos aliados do ex-governador, a pressão também é grande. Parte do grupo paulista que sempre foi mais alckmista que tucano –e hoje já está ou se encaminha para o PSD, apontado como outro possível destino de Alckmin– quer vê-lo candidato a governador e reclama que é impossível qualquer associação com o PT.

O amigo do ex-governador afirma, no entanto, que Alckmin foi muito bem acolhido no PT e as resistências estão sendo pacificadas.

“Os radicais dos dois lados são sempre um problema, mas esse é um aceno para grande parte do eleitorado que prefere um país mais pacífico, que é um eleitor médio que quer trabalhar em paz”, afirma.

BENEFÍCIO SIMBÓLICO

Em 2018, mesmo com o apoio de nove partidos –incluindo praticamente todo o centrão, que esteve nos governos Lula e agora está com Bolsonaro–, Alckmin teve apenas 4,76% dos votos.

Pesquisas feitas pelo PSB, partido ao qual o governador deve se filiar se, de fato, fechar um acordo com o PT, apontam que sua participação na chapa poderia aumentar em 4 pontos percentuais os eleitores de Lula no Estado de São Paulo –um número que entusiasmou o partido mas não é exatamente decisivo para o petista que, com mais de 40% das intenções de voto nas pesquisas, hoje ganharia a eleição em qualquer cenário.

Na semana passada, uma pesquisa nacional Genial/Quaest apresentou questões sobre uma possível chapa entre os dois ex-rivais. A maioria dos ouvidos, 64%, dizem que a união não aumenta nem diminui sua intenção de votar em Lula. Para 12%, aumenta, mas para 13%, diminui.

Entre aqueles que preferem a vitória de Lula, 65% dizem que não faz diferença, mas 20% dizem que a chance de votar no petista aumenta com Alckmin na chapa, ao passo que 10% afirmam que diminui.

Já entre os que preferem que nem Lula nem o presidente Jair Bolsonaro vençam a eleição, 67% dizem que não faz diferença, 17% que diminui a chance de votar em Lula com Alckmin na chapa, enquanto 7% dizem que aumenta.

“Alckmin vai agregar 3%? Não é isso, é uma questão simbólica”, diz um dos petistas próximos ao ex-presidente.

“As pessoas estão preocupadas com governo. Lula vai governar com o centrão ou vai procurar uma turma nova? Isso sinaliza que vai procurar uma turma nova. A gente não vai ter 300 deputados petistas. Como não vai, a sinalização é de que eu vou procurar outra turma, um arejamento da máquina pública para não cair exatamente nas armadilhas dos nossos governos.”

Desde que todas as conversas sobre a aliança começaram a surgir, Lula e Alckmin não se encontraram pessoalmente nenhuma vez. Todas as idas e vindas foram feitas por aliados indicados pelos dois. Um jantar estava marcado para a última sexta-feira para finalmente colocá-los frente a frente, mas foi adiado depois de ter vazado.

Ainda assim, a aposta é que uma decisão não deve demorar, mesmo que oficialmente não seja anunciada. Lula só pretende se apresentar como candidato formalmente –e aí ter sua chapa– em março de 2022, e Alckmin não precisa escolher um partido antes de abril do ano que vem.

Até lá, o ex-presidente tem nas mãos uma negociação delicada, em que o PSB, mesmo já tendo acertado a aliança extraoficialmente, pede a cabeça de chapa em cinco Estados, incluindo São Paulo –nesse, caso, o ex-prefeito Fernando Haddad, em segundo lugar nas pesquisas, teria que ceder a vaga para Márcio França, que está em quarto lugar, o que o PT já avisou que não fará.

No entanto, ninguém aposta que o PSB trocará uma vice-presidência, mesmo com um novato no partido, pela possibilidade distante de um governo de São Paulo.

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