No último sábado, enquanto o Brasil acompanhava o desenrolar da rendição de Lula na sede do sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo, agentes da PF envolvidos na operação permaneciam o tempo todo com um olho no presente e outro no passado. Mais precisamente, num trágico acontecimento histórico: o cerco de Waco — promovido em abril de 1993 em torno da sede da seita “Ramo Davidiano”, na cidade do Texas. Os davidianos eram liderados por David Koresh, autoproclamado Cristo reencarnado. A estimativa era de que cerca de cem pessoas estariam no local onde abrigavam 250 armas ilegais. Koresh havia prometido se entregar caso uma mensagem dele de 58 minutos fosse transmitida pelo rádio. A fala foi veiculada, mas ele não honrou a promessa, o que motivou a polícia a invadir o “bunker”. Não poderia ter sido pior. Uma ação destrambelhada do FBI fez com que a invasão fosse encerrada de forma catastrófica, com a morte de 75 pessoas, entre as quais 25 crianças.

De fato, há um parentesco irrefutável entre Waco e São Bernardo, com pitadas de psicopatia em ambos os casos. Ninguém duvida que, muitos dos que se espremiam nos arredores do sindicato, estariam dispostos a matar e a morrer por Lula. Era como se uma imensa aura de fanatismo permeasse o QG montado pelo PT. Para eles, o messias, ao lado do qual eles acreditaram um dia ter atravessado o mar Morto, não deveria retroceder nunca. Render-se jamais. Mesmo quem estava alheio à mesa de negociações, comendo pipoca em frente à TV, poderia vislumbrar a tragédia como desfecho óbvio de uma operação malsucedida — que atenderia aos interesses todos sabem de quem. Daí o cálculo e a frieza dos escalados para fazer valer a ordem judicial.

Os movimentos lembraram um jogo de pôquer, garante quem acompanhou de perto as tratativas. Em sua autobiografia, Bill Gates dizia que o pôquer foi para ele uma aula de estratégia e disciplina, mais do que qualquer outro curso acadêmico. Disfarçar a ansiedade e a insegurança, estudar o adversário e blefar são técnicas do carteado exigidas durante uma negociação.

Houve de tudo um pouco naquele dia que virou história. Para evitar a reedição do episódio funesto do Texas, cada palavra foi medida, cada passo traçado milimetricamente. Por exemplo, a possibilidade de a prisão preventiva ser decretada foi uma carta colocada na mesa só depois das 18h, o que arremessou o petista para uma encruzilhada. A partir de então, ou ele dispersava a militância e se entregava, ou poderia ser preso por obstrução de Justiça, ao se negar a cumprir uma ordem judicial. Em dado momento, para quem enxergava tudo a olho nu, o espetáculo parecia enveredar para a patifaria por aparentemente prenunciar uma afronta à Justiça sem precedentes na história republicana. Nos bastidores, porém, esse risco nunca existiu. Todos do lado de lá do balcão tinham a exata ciência de que qualquer desenlace diferente teria representado a consagração de Lula e a genuflexão do Judiciário. Para o bem da democracia, as instituições permaneceram retas e verticais.