Eles saem dos hospitais entre aplausos, como símbolo da vitória ao novo coronavírus. Porém os médicos italianos temem que esses recém-recuperados, que ainda resultam positivos, se tornem “bombas virais”.

Há mais de 30.000 doentes nos hospitais italianos, e eles estão prestes a um colapso por causa do grande fluxo de pacientes, principalmente na Lombardia, situada no norte da Itália.

As camas são no momento um bem em escassez, motivo pelo qual quando os pacientes apresentam qualquer melhora e suas vidas não correm mais perigo devem deixar os leitos para os recém-chegados.

Os que não podem permanecer nesses locais, são enviados a hotéis ou para algum dos 7.000 centros de recuperação e reabilitação do país, que abrigam cerca de 300.000 pessoas, em sua maioria idosos.

Os médicos temem “um massacre silencioso” nesses ambientes. Não há dados oficiais disponíveis, mas os especialistas estimam que centenas de pessoas morreram nesses locais, entre elas 600 na região de Bergamo, uma das mais atingidas pelo coronavírus.

“Em uma guerra como essa, não podemos permitir a aparição de novos focos de contágio, que correm o risco de transformar esses centros de recuperação em ‘bombas virais’ que disseminam o vírus”, alerta Raffaele Antonelli Incalzi, presidente da Sociedade Italiana de Geriatria (SIGG), em uma entrevista à AFP.

“O uso contínuo das camas desses centros como forma de aliviar a pressão sobre os hospitais (…) colocam em perigo os residentes de idade avançada, que são o lado mais frágil da pandemia”, acrescentou.

Na Lombardia, epicentro do surto italiano, cerca de 2.000 pacientes foram enviados para esse tipo de centro. Um modelo recomendado pelo Ministério da Saúde e seguido pela região da Sicília e em Marcas, essa última uma região pouco povoada, mas que registrou 450 mortos. Até o momento, não há dados disponíveis sobre o cenário nacional.

– “Muito desconcertado” –

O pesquisador do Instituto Italiano de Ciências Políticas (ISPI), Matteo Villa, estimou na última segunda em uma coletiva de imprensa realizada na internet que uma parte dos que deixaram o hospital tinham sido infectados pelo vírus.

As autoridades afirmam que esses centros de recuperação aplicam regras estritas: distanciamento físico, estrutura adequada, pessoal capacitado e uso de equipamentos de proteção pelos funcionários de saúde.

No entanto, “quem verifica se as regras estão sendo cumpridas?”, questiona Marco Agazzi, representante da União Nacional de Médicos, em Bergamo.

“É muito difícil obter equipamento de proteção, e precisamos contar com o pessoal dessas estruturas que já estão cheias”, explicou o médico, após admitir estar “muito perplexo” com a decisão do governo.

Para Roberto Bernabei, professor de geriatria da Universidade Católica de Roma, as regras aplicadas nos centros de recuperação são “complexas, porque mudam de um para outro, de cidade para cidade, de região para região”.

O Instituto Superior de Saúde (ISS) indicou que para 86% desses locais é difícil obter equipamentos de proteção.

Segundo a Sociedade Geriátrica, os familiares dos funcionários doam máscaras feitas em casa e luvas médicas para que se protejam e não contaminem o seu entorno.

As associações que representam os aposentados pediram que os em recuperação pelo coronavírus sejam levados a hotéis, alojamentos universitários ou quartéis.

Embora o aumento do contágio tenha diminuído nos últimos dias, o número de pacientes nos hospitais continua aumentando e espera-se que a busca por eles diminua lentamente, alerta Villa, que não descarta “outros momentos de tensão”, quando as medidas de confinamento forem menos estritas.