Florisbaldo Mussolini está dando o que falar em Santa Catarina. Apesar de ele ser um personagem de ficção em um livro que critica o Poder Judiciário, a sátira não foi bem vista por um juiz local: ao acreditar que o personagem era inspirado nele, denunciou a autora ao Ministério Público de São José, na Grande Florianópolis.

O juiz de Direito Rafael Rabaldo Bottan denunciou ao Ministério Público Estadual a escritora e advogada Saíle Bárbara Barreto, autora do livro de ficção “Causos da Comarca de São Barnabé”, publicado em formato e-book na loja da Amazon. Para o MP, a escritora cometeu crime de calúnia, difamação e injúria contra o juiz. O promotor do caso, Geovani Werner Tramontin, chegou a ensaiar um pedido de prisão contra a escritora por ela ter publicado documentos do processo que tramitava em segredo de Justiça. Ele afirma que “a ridicularização pública de um magistrado atenta contra o Poder Judiciário, fomentando o ódio e a maledicência contra as estruturas de poder, abalando a ordem pública, o que pode ensejar a prisão cautelar, já que não se conseguiu obstar a prática do crime de forma menos gravosa em razão da indiferença da acusada com a decisão de Vossa Excelência”.

“A autora satiriza o magistrado por estar inconformada com decisões judiciais que contrariam seus interesses” Geovani Werner Tramontin, promotor (Crédito:Divulgação)

A autora afirma que é perseguida porque, antes da publicação do livro, denunciou o juiz à Corregedoria do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC). “Estão agindo como na inquisição: vão me processar e me julgar”, diz. Saíle Barreto confirma que seu livro é uma crítica ao Judiciário, mas não apenas isso. “Falo sobre o Brasil e cito fatos que estarrecem o País, mas de maneira ficcional. Há um político que é pego fazendo sexo no gabinete, como aconteceu com o prefeito de Florianópolis, e um homem que constrói uma piscina em formato de suástica, como fizeram em Pomerode. E por aí vai.” Segundo o promotor Geovani Werner Tramontin, a autora satiriza o magistrado por estar “inconformada com decisões judiciais que contrariaram seus interesses”. O processo tramita na Justiça catarinense e ficará com o juiz André Luiz Anrain, do TJ-SC.

Para Débora Sztajnberg, advogada da autora, “um exercício de vingança privada não pode acontecer no Judiciário brasileiro. É um caso de assédio moral e assédio judicial”, afirmou a advogada, que tem experiência em casos literários: ela defendeu Paulo César de Araújo, autor de “Roberto Carlos em Detalhes”, biografia não autorizada sobre o cantor Roberto Carlos. Saíle Barreto conta que teve de buscar ajuda médica para enfrentar a pressão “Querem tirar minhas redes sociais, censurar meu livro e retirá-lo da Amazon. Não consigo dormir. Meu psiquiatra atestou que estou tendo uma reação ao estresse grave.” Sobre a semelhança entre o personagem Florisbaldo e o juiz Rabaldo, ela diz que tudo não passa de coincidência. “Ele poderia alegar que Miguel é parecido com Rafael. É um absurdo”, diz Saíle.

Em nota, o Ministério Público de Santa Catarina informa que o objeto da denúncia não é o livro, mas as publicações em redes sociais. O promotor ressalta que “tem o maior respeito pela liberdade de expressão, mas tê-lá implica em ter responsabilidade.” A denúncia do processo, porém, traz trechos do livro que fazem referência ao personagem supostamente inspirado no juiz. Para Daniela Borges, advogada e presidente da Comissão da Mulher da OAB Nacional, o direito à livre manifestação de pensamento e ideias é garantia constitucional, sendo vedada a censura. “Claro que esse direito encontra limites no que se exige de respeito aos direitos da personalidade das outras pessoas”, afirma a advogada. “Uma prisão preventiva, no entanto, parece desproporcional pelos fatos divulgados até o momento”, conclui. O processo corre na Justiça, mas o destino de Florisbaldo Mussolini, o personagem, ainda segue sem definição.