O escultor Jo Davidson conversa com Getúlio Vargas enquanto cinzela o busto do presidente do Brasil em 1939. Davidson foi convocado pelo amigo e presidente americano Franklin Roosevelt para esculpir presidentes sul-americanos, como parte da “política da boa vizinhança”. Davidson conversava amenidades com os líderes para simular poses relaxadas. O bronze de Getúlio, hoje no Museu Histórico Nacional (RJ), representa Getúlio sorridente.

É o retrato de um ditador autoconfiante, no ápice do poder. Dois anos antes, com o apoio das Forças Armadas, ele dissolvera o Congresso para decretar o Estado Novo, ditadura que anularia os direitos civis, mataria e torturaria inimigos políticos, perseguiria minorias étnicas e, num lance espetacular, levaria o Brasil a lutar ao lado dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial.

O episódio da escultura está entre as cenas inéditas ou esquecidas reveladas no documentário “Imagens do Estado Novo — 1937-45”, de Eduardo Escorel. O filme levou 12 anos para ser realizado. Latas de filme, diários, recortes e fotografias foram encontrados na Cinemateca Brasileira de São Paulo — depositária dos cinejornais do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), no Arquivo Nacional e no acervo pessoal de Getúlio, além de filmes particulares e cinejornais estrangeiros. As 150 horas de película foram digitalizadas e editadas. Concluído em 2016, o filme de 3 horas e 47 minutos estreia em 15 de março. A versão em cinco episódios será exibida pelo canal Curta! e pela TV Cultura até o fim do ano.

“O Estado Novo tem sido analisado e divulgado em livros pelos historiadores. Mas o material audiovisual foi arquivado e esquecido” Eduardo Escorel, cineasta

“O Estado Novo tem sido analisado e divulgado em livros pelos historiadores”, diz Escorel, também roteirista e narrador do filme. “Mas o material audiovisual foi arquivado e esquecido. Ele expõe os fatos com o impacto das imagens, algo que os livros não podem fornecer.”

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O protagonista é obviamente Getúlio em sua sanha pela construção do mito de “pai da pátria”. Surge decretando o Estado Novo, num discurso quase a meia-voz. Calmo, conduz a cerimônia de incineração das bandeiras dos estados em benefício da Pátria Una. Apoia o desfile de marinheiros alemães com bandeira nazista nas ruas da capital em 1937. Fala em 1942 em prol da neutralidade, para, dias depois, sob pressão popular e de Roosevelt, declarar guerra aos antigos amigos do Eixo. As cenas do golpe mostram um déspota sereno, mesmo nos instantes dramáticos, como o atentado integralista em 1938 — que serviu como pretexto para medidas mais duras.

O documentário desnuda a ambiguidade e o poder manipulador do discurso getulista. O desafio de Escorel foi oferecer uma visão critica sobre o tema. “Interrogamos as imagens”, diz. Para isso, buscou não se render aos filmes de propaganda disponíveis, entremeando filmes não oficiais. “Getúlio era hábil”, diz Escorel. “Até a adesão aos Aliados foi pragmática. As vantagens acenadas pelos americanos em troca do apoio à guerra eram irrecusáveis.” Para azar dos líderes, a história costuma ser imprevisível: Getúlio seria deposto em 1945 em nome da democracia, por seu ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, adorador de Mussolini. “Se a Segunda Guerra não tivesse ocorrido e o exército não tivesse traído Vargas, o Estado Novo estaria em vigor até hoje”, diz Escorel.

 


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