O governo do presidente Lula completa cem dias com importantes avanços na área social — destaque para o fortalecimento do Bolsa Família, programa de distribuição de renda cuja meta é atender 20 milhões de núcleos parentais, e a retomada do Minha Casa Minha Vida, projeto habitacional que deve entregar dois milhões de moradias até 2026. O trabalho tem sido hercúleo: as conquistas se deram a despeito de o Palácio do Planalto ainda não ter conseguido construir uma base sólida no Congresso. Trata-se de um governo que vem enfrentando sérias dificuldades desde que Lula assumiu a função. Além disso, houve o bárbaro 8 de janeiro quando bolsonaristas criminosos atacaram em Brasília as sedes dos poderes republicanos. Jair Bolsonaro deixou o Brasil em situação de paralisia de serviços essenciais. Assim, o cenário econômico também tem sido hostil à administração do petista — e não se sabe ao certo se as novas regras fiscais resolverão os problemas estruturais do País. Não sem razão, portanto, na reunião ministerial da segunda-feira 3, Lula pediu aos ministros para darem maior visibilidade ao que tem sido feito e criou-se a campanha “O Brasil Voltou”.

Apesar das dificuldades, o primeiro trecho dessa caminhada está alinhado com o compromisso histórico do petista de combater a fome e a pobreza extrema. Em seu discurso de posse, Lula repetiu o que havia dito 20 anos atrás, quando foi eleito para seu primeiro mandato: prometeu não descansar enquanto não garantir a cada brasileiro o direito a três refeições por dia. Para o historiador e cientista político Francisco Carlos Teixeira, professor da UFRJ, a reconstrução da agenda social é, “sem dúvida nenhuma”, a principal marca do governo Lula. “Nessa discussão mercado versus agenda social, o presidente está mostrando, com o novo arcabouço fiscal que acaba de ser apresentado, que é possível equilibrar uma política fiscal responsável com uma atenção especial àqueles que estão passando fome ou em estado de insegurança alimentar”, diz Teixeira. O professor lembra, no entanto, que as Medidas Provisórias (MPs) que garantiram a reformulação dos programas sociais ainda precisam ser votadas no Congresso. “Isso tem, de certa forma, exaurido o governo, que precisa negociar no Congresso praticamente todos os dias, todas as horas, em busca da construção de uma base parlamentar”.

Os 100 dias de Lula 3 são marcados por retomada de programas sociais e várias encrencas políticas
DOCE LAR Lula tem viajado pelo País para inaugurar moradias: Minha Casa Minha Vida (Crédito:Ricardo Stuckert/PR)

Mesmo com as conquistas sociais, o petista tem um início de mandato com avaliação inferior aos de suas outras passagens pelo Planalto, de acordo com o Datafolha: é aprovado por 38% da população e tem reprovação de 29%. Mas outros índices podem animá-lo: 30% se dizem petistas enquanto 22% se declaram bolsonaristas. De volta aos problemas, qual a razão? “É a economia, estúpido”, diria o publicitário James Carville, que em 2003 explicou ao então candidato à presidência dos Estados Unidos Bill Clinton a centralidade dos aspectos econômicos nas disputas eleitorais. Clinton venceu George Bush, que tentava a reeleição, porque problemas na economia são fatais para os governantes.

A taxa de desemprego no Brasil voltou a crescer em fevereiro: subiu para 8,6%, de acordo com o IBGE, e atinge 9,2 milhões de brasileiros. Para piorar, a absurdamente estratosférica taxa de juros de 13,75% estipulada pelo Banco Central (BC) vem sendo mantida no mesmo patamar pelo Copom. A empresária Luiza Trajano, da gigante varejista Magazine Luiza, explicou de forma bem didática que juros tão elevados “impedem o brasileiro de comprar a prazo”. O efeito disso tem sido bastante perceptível, por exemplo, no mercado automobilístico: montadoras estão paralisando suas operações. Como o Planalto não tem ingerência sobre o BC, que é autônomo, o governo faz o que pode: acaba de apresentar a nova âncora fiscal, que promete zerar o déficit público em 2024, e discute no Congresso a Reforma Tributária, ao mesmo tempo em que busca o apoio dos parlamentares para a aprovação das medidas.

100 Realizações

• Bolsa Família
São R$ 600 por família, mais R$ 150 por criança até seis anos. Volta a exigir comprovação da frequência escolar e vacinação em dia. A meta é atender 55 milhões de brasileiros

• Minha Casa Minha Vida
Podem aderir ao programa famílias que ganham até R$ 8 mil. A meta é entregar 2 milhões de imóveis até 2026. É uma das principais apostas de Lula

•Apoio aos Yanomami
Em janeiro, Lula visitou indígenas Yanomami em Roraima por causa da emergência sanitária na região – o garimpo ilegal provocou uma explosão de casos de malária e desnutrição grave

• Retomada do protagonismo na área ambiental
O Brasil está de volta como liderança global nas discussões sobre mudanças climáticas. O Fundo Amazônia foi reativado e já recebeu R$ R$ 192 milhões da Alemanha

• Recuperação da imagem do Brasil no exterior
O País deixou de ser o pária internacional no qual havia se transformado durante o governo Bolsonaro e reconquistou relevância. Lula viaja no próximo dia 11 para a China

Derrapadas

• Críticas ao BC
Lula personalizou no economista Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, as críticas à atual taxa de juros do País, de 13,75%. A despeito de a crítica à elevada taxa fazer sentido e ser legítima, a definição do índice é feita
de forma colegiada, pelo Copom

• Ataques a Sergio Moro
O presidente devolveu o senador Sergio Moro (Podemos-PR) aos holofotes ao dizer que “queria foder”
o ex-juiz responsável por seus 580 dias de prisão. Também disse ser “mais uma armação” de Moro o ataque a autoridades planejado pelo PCC