A conexão do aluno deve ser com a escola, não com o celular. Esse é o lema da Prefeitura do Rio de Janeiro para o início do ano letivo na rede municipal. A volta às aulas traz novidades: o uso do telefone está proibido. Desde agosto do ano passado os estudantes só podiam pegar aparelhos nos intervalos. Mas agora um decreto do prefeito Eduardo Paes ampliou essa proibição — o celular está vetado no horário de aula, durante o recreio e fora da sala quando houver explanação do professor e realização de trabalhos individuais ou em grupo. Os smartphones devem ficar na mochila ou bolsa, desligados ou em modo silencioso.

Sequer a vibração é permitida. Exceções estão previstas para casos específicos, como alunos com deficiência ou em situações de força maior –, como doença.

Celular na escola: usar ou não usar? Eis a questão resolvida pelo Rio de Janeiro
Telefones são barrados também nos intervalos: em prol da sociabilidade (Crédito:Sérgio Andrade)

A medida entra em vigor em março, sendo que este mês de fevereiro se prestará para ações de conscientização. O período servirá para a adaptação dos adolescentes sob a tutela da instituição e da família.

Os pais aprovaram a intervenção. Não à toa, a consulta pública realizada pela Secretaria Municipal de Educação do Rio, entre dezembro e janeiro, recebeu 10.437 contribuições, sendo 83% favoráveis à proibição. Os números agradaram a gestão de Paes, que endossa: “Escola é lugar de disciplina e, sobretudo, aprendizagem, de convívio social e troca entre nossas crianças.”

“O uso excessivo de aparelhos eletrônicos atrapalha a concentração e prejudica diretamente a aprendizagem. É como se o aluno saísse da sala toda vez que vê uma notificação”, diz Renan Ferreirinha, secretário Municipal de Educação do Rio de Janeiro.

Para ele, o jovem não consegue prestar atenção e aprender de forma plena diante do acessório tecnológico. Menosprezar ou fingir que essa questão não existe estava fora de cogitação. “Escola é lugar de interagir com amigos e ficar ao telefone atrapalha a convivência social, deixa a criança isolada em sua própria tela.”

Celular na escola: usar ou não usar? Eis a questão resolvida pelo Rio de Janeiro
(Mauro Pimentel)

“Escola é lugar de aprendizagem, disciplina, convívio social e troca entre nossas crianças.”
Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro

São Paulo aprende com Paes

A rotina “celular zero” é uma realidade já vista em países como França, Holanda, Inglaterra, Portugal, Austrália e EUA, seguindo orientação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que alertou sobre o uso excessivo de smartphones nas escolas.

Em seu Relatório de Monitoramento Global da Educação de 2023 – com a temática “a tecnologia na educação: uma ferramenta a serviço de quem?”, a agência da ONU enfatizou a necessidade de uma “visão centrada no ser humano” e alertou para o impacto negativo no aprendizado.

Outros estudos igualmente dão conta de que o celular está relacionado a casos de ansiedade e depressão. “O uso descontrolado pode levar a disfunções de saúde, como a dependência patológica conhecida como nomofobia, que interfere no emocional e na capacidade de resolver problemas de forma independente”, observa Mariana Poggiali, médica pediatra da Rede Mater Dei de Saúde.

Tais dados embasaram a decisão de Paes, com aprovação de educadores Brasil afora. O debate é a favor da busca por um melhor ensino. Inicialmente, um dos benefícios imediatos é a concentração.

“Sem o celular, os alunos podem se concentrar melhor nas aulas e atividades escolares, aperfeiçoando seu desempenho acadêmico”, diz Daiane Lacerda, assessora de Proteção e Salvaguarda Nacional da ONG Visão Mundial Brasil. “Há também o fator sobre a menor exposição a conteúdos inadequados — mesmo que em um período de tempo curto”, completa a especialista da entidade, que desenvolve projetos com foco na proteção de crianças e adolescentes.

Celular na escola: usar ou não usar? Eis a questão resolvida pelo Rio de Janeiro
(Axila)

“Não é responsabilidade somente da escola, afinal, a criança sai de casa com o aparelho.”
Ana Maria Bellangero, mãe do adolescente Davi (ao lado)

O cerco ao dispositivo se espalha. Num movimento similar, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo anunciou alterações no seu programa de restrição.

Há um ano, aplicativos e plataformas sem fins educativos já eram proibidos em sala de aula. Agora, a medida passou a valer para ambientes administrativos, ou seja, nem alunos nem professores poderão acessar redes sociais, por exemplo.

“O objetivo é otimizar o uso de infraestrutura tecnológica para o desenvolvimento pedagógico dos estudantes”, informa a Secretaria.

Aula nota dez

Entre educadores, a interação é uma das consequências da rotina no modo offline.

“Os celulares estão a ‘roubar’ a atenção e o foco dos jovens”, avalia Marcos Alves, professor de Gestão Pública da Faculdade de Educação Paulistana. Para ele, a falta de socialização retira dos adolescentes um período essencial de construção e fortalecimento da identidade.

“Num primeiro olhar, proibir parece radical e até mesmo um ato na contramão da história contemporânea, mas é um ato civilizador”, completa o também educador do Colégio Prígule, em São Paulo. Com 25 anos de experiência em sala de aula, ele enfatiza que há um consenso entre pais e mestres: ‘educar é, de certa forma, direcionar, dar parâmetros e permitir crescimento social, emocional e profissional.”

Celular na escola: usar ou não usar? Eis a questão resolvida pelo Rio de Janeiro
(Axila)

“Num primeiro olhar, parece radical. Mas proibir o uso dos celulares é um ato civilizador.”
Marcos Alves, professor de Gestão Pública (ao lado)

Em entrevista à ISTOÉ, duas famílias de São Paulo aprovaram as ações no Rio de Janeiro, com a sugestão de que a determinação sirva de referência para outros gestores.

“Sempre o caminho mais fácil é proibir. E a família precisa auxiliar nesse processo. Não é responsabilidade somente da escola. Afinal, o adolescente sai de casa com o celular”, opina a coordenadora pedagógica Ana Maria Bellangero, mãe de Davi Bellangero, de 12 anos.

“Concordo com a parte de deixar na mochila por motivos como ‘cola’ e ter concentração na aula. Mas no recreio poderia usar, pois o aluno tem direito a um tempo de descanso”, argumenta o adolescente.

“O estudante tem todo o tempo para usar o aparelho como lazer ou forma de comunicação fora da escola”, observa Eymi Carla Mamani, mãe de Isabella Nunes, de 10 anos. Tão nova, a menina ressalta que o item tecnológico, de fato, atrapalha nos anos cruciais da educação básica: “Às vezes, os alunos não prestam atenção no conteúdo que pode cair na prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).”

Seguindo essa lógica, um outro exemplo vem do Colégio Presbiteriano Mackenzie: as turmas do 9º ano terão um espaço reservado onde todos deverão guardar seus smartphones antes do início das aulas. “Por incrível que pareça, a maioria deles adorou a ideia. Eles entendem que precisam de ajuda para se desligarem um pouco das telas”, conta Ricardo Cassab, diretor da instituição. “Ao que tudo indica será um sucesso: ganhará o aluno, a família, a escola e, em consequência, a sociedade.”