Artistas, esportistas e outras celebridades sempre defenderam um ou outro candidato em tempos de eleição. Neste ano, no entanto, o clima de polarização tem tomado uma dimensão diferente. Anitta, a principal voz do pop nacional, foi pressionada a manifestar seu apoio a uma campanha, mesmo contra sua vontade. Tudo começou depois que a também cantora Daniela Mercury convocou Anitta para defender o movimento #Elenão, surgido nas redes sociais contra o candidato à presidência Jair Bolsonaro. Inicialmente Anitta preferiu não se manifestar, dizendo em seu Twitter que não queria fazer campanha política, mas a cobrança dos fãs aumentou. Após alguns dias, ela gravou um vídeo em que dizia não apoiar um candidato “machista, racista e homofóbico”. No final, pediu a outras celebridades para falar sobre o tema, em um desdobramento da campanha que já chegou a diversos famosos.

A demora de Anitta foi criticada principalmente por fãs ligados ao movimento LGBTQ+, que dizem que a cantora, defensora pública de suas reivindicações, não poderia se omitir em um momento como esse. Mas o caso explicita essa nova cobrança via redes sociais, em que é permitido defender um ou outro candidato, mas é aparentemente proibido simplesmente não tomar partido. A cantora Ludmilla foi alvo do mesmo fenômeno. Pressionada para anunciar uma posição, disse que o voto era secreto e se recusava a declará-lo.

O movimento já foi comparado às antigas patrulhas ideológicas da época da ditadura militar, termo cunhado pelo cineasta e imortal da Academia Brasileira de Letras Cacá Diegues em 1978 para se referir aos jornalistas e outros formadores de opinião da esquerda que criticavam produtos culturais que não estivessem alinhados com um modo de pensar. O próprio cineasta foi vítima dessas patrulhas, assim como o músico Caetano Veloso, chamado de “alienado” por lançar canções como “Odara” em um período em que se esperava uma posição combativa contra o regime militar. “Desta vez, a situação é diferente porque as ideologias partidárias estão superadas em nome da disputa entre a civilização e a barbárie”, diz Cacá Diegues. “O problema é que às vezes essa reação civilizatória se torna agressiva demais”.

A exigência por um posicionamento contínuo faz parte da dinâmica das redes sociais, em que os fãs têm uma sensação de estarem mais próximos de seus ídolos. O movimento #Elenão tomou as redes de assalto. De acordo com um levantamento feito pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV, entre os dias 12 e 24 de setembro a hashtag foi usada em 1,01 milhão de postagens no Twitter. A variação #Elenunca chegou a 390 mil. A resposta dos eleitores do Bolsonaro, #Elesim, atingiu apenas 283 mil menções. “Figuras que vivem da exposição pública têm os bônus e ônus dessa condição. É uma espécie de salário que tem como maldição a eterna performance.”, afirma Paulo Nassar, professor da ECA-USP. “No caso do #Elenão, o que poderia ser uma patrulha se transformou em um exército de milhares de mulheres e aliados, municiado de bandeiras poderosas e históricas. Neste contexto, o artista que estiver conectado com seus públicos vai ser mais um integrante desse exército que luta pela afirmação da identidade feminina”, diz ele.

Manifestações políticas de artistas podem ser positivas. Para Cacá Diegues, se os fãs se identificam com o posicionamento e a maneira de pensar de alguma celebridade é natural que eles queiram saber quem ela defende. “É um jeito democrático que temos de se manifestar”, diz o cineasta. Para a cantora Daniela Mercury, o artista deve se posicionar politicamente sempre que quiser “e quando for essencial para salvar vidas e defender a democracia. Quem ama o Brasil e a humanidade se compromete com essa e todas as causas importantes”, afirma ela. Mas a busca por referências no mundo dos famosos é também um sintoma da falta de opções fora da esfera do entretenimento. “O enfraquecimento das instituições, todas, inclusive dos poderes constituídos, proporcionou uma sociedade que sente falta de referências, então faz uso das redes”, diz Eric Messa, professor do Núcleo de Inovação e Mídia Digital da FAAP.

Movimento contrário

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A cobrança por um posicionamento dos artistas não é exclusiva da esquerda, assim como os ataques contra quem manifesta publicamente uma visão contrária à esperada. Entre os músicos sertanejos, por exemplo, a preferência clara é por Bolsonaro. Cantores como Eduardo Costa e Gusttavo Lima já saíram em defesa do candidato do PSL. Marília Mendonça, no entanto, postou uma imagem da campanha #Elenão e foi atacada por seus seguidores. Acabou excluindo a postagem e pediu desculpas por ter se manifestado, em uma demonstração de descompasso entre sua própria opinião e a de seus fãs.

No mundo dos esportes, Bolsonaro também recebe bastante suporte. Nenê, ídolo brasileiro na NBA, principal liga de basquete do mundo, apoiou o político em suas redes sociais, assim como o lutador José Aldo. Não há pesquisa que indique uma preferência pelo candidato no futebol, mas a lista de jogadores que manifestaram apoio a ele abertamente é grande. O jogador do Palmeiras Felipe Melo chegou a dedicar um gol ao candidato, que chamou de “futuro presidente”. Ele foi atacado por alguns e defendido por outros, incluindo o ex-jogador Afonsinho, considerado rebelde na década de 1970 por ter lutado por seu direito de abandonar o Botafogo, clube que queria que impedi-lo de usar barba e cabelos compridos. As próprias torcidas organizadas se posicionaram, mostrando apoio ao movimento #Elenão. Em tempos de manifestações políticas apaixonadas, as pessoas recorrem aos ídolos das artes e dos esportes em busca de apoio.

Colaboraram Fernando Lavieri e Luís Antônio Giron


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