Em mais uma medida prejudicial ao meio ambiente, o presidente Jair Bolsonaro definiu por decreto — sem consultar especialistas nem a sociedade civil — a legislação que regula a exploração de cavernas e grutas no País. São locais estratégicos para a proteção de espécies ameaçadas de extinção e o abastecimento de água, além de diversas atividades ligadas ao turismo sustentável.

“Entramos na Justiça para impedir os graves retrocessos na proteção às cavidades naturais subterrâneas” Fabiano Contarato, senador pelo Espírito Santo (PT) (Crédito:Marcos Oliveira/Agencia Senado)

A medida publicada no Diário Oficial da União flexibiliza a maneira como as cavernas são classificadas e muda a forma como elas poderão ser exploradas a partir de agora. Hoje são divididas em quatro categorias por sua relevância e impacto ambiental: baixa, média, alta e máxima. Como propriedades da União, são protegidas pela Constituição e não podem ter seu destino decidido em uma canetada. Bolsonaro mira as cavernas classificadas como “máximas”, aquelas que não permitem nenhuma forma de exploração.

“O governo Bolsonaro cometeu mais uma barbaridade ao liberar construções em áreas de cavernas”, afirma o senador Fabiano Contarato (PT/ES). “Entramos com ação popular na Justiça Federal para impedir os graves retrocessos na proteção às cavidades naturais subterrâneas, um patrimônio cultural e ambiental dos brasileiros.” O presidente, sem pensar em longo prazo, defende que esses locais sejam destruídos caso impeçam algum empreendimento econômico, como a construção civil ou a mineração. “Se tem buraco de tatu, tem que manter distância de dez, vinte metros, então não pode fazer nada no Brasil todo. Nós amenizamos essa questão para o País poder crescer”, justificou o presidente.

A questão não é tão simples. Em relação à mineração, o que pode ser explorado nas cavernas não são elementos que estão em falta no País. “A existência desses territórios, principalmente os de categoria ‘máxima’, não impede a exploração do minério de ferro. Não está faltando cimento e calcário para que um decreto como esse faça sentido”, afirma Enrico Bernard, presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo de Quirópteros (SBEQ), especialista em morcegos. Bernard afirma ainda que a existência desses animais em cavernas mal administradas pode levar ao surgimento de doenças e até de pandemias, uma vez que muitas delas surgem da destruição de habitats naturais de algumas espécies. “Os morcegos são essenciais para o agronegócio brasileiro, pois eliminam as pragas agrícolas que causam prejuízo às plantações.” Ele diz que as consequências ambientais podem ser desastrosas, além de promoverem novo impacto negativo na imagem internacional do Brasil, já bastante maculada nessa questão.

DECISÃO Questão judicializada: Rede entrou com ação no STF, a ser julgada pelo ministro Ricardo Lewandowski (Crédito:Luan Alves Chaves)

Para o geólogo e professor da disciplina Túneis e Obras Subterrâneas, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Hugo Cássio Rocha, faltou diálogo. “No lugar de pensar em conjunto a melhor alternativa para cada caso, decidiu-se por uma radicalização”, afirma. O professor defende que é preciso proteger as grutas e os bolsões de água dessas regiões. “Há espécies de peixes que só existem nesses locais. Fora a beleza do ecossistema, que gera um turismo ecológico fortemente controlado”, diz.

Na Justiça

Em nota, a Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) manifestou-se contrária ao novo decreto e destacou que não foi ouvida sobre as alterações. A instituição que analisa as cavidades naturais informou que o decreto “foi produzido a portas fechadas, sem diálogo com a comunidade espeleológica e mostra, claramente, a interferência direta dos ministérios de Minas e Energia e de Infraestrutura em uma matéria que é de interesse ambiental”. A questão foi parar nos tribunais. Além das medidas tomadas pelo senador Fabiano Contarato, a subprocuradora-geral da República, Julieta Albuquerque, enviou pedido de suspensão do decreto ao procurador-geral da República, Augusto Aras, e também à Procuradoria da República do Distrito Federal. A Rede Sustentabilidade entrou ainda com uma ação no STF, que será julgada pelo ministro Ricardo Lewandowski. O Brasil torce para que mais essa boiada, desta vez subterrânea, não passe.