Gardênia azul desabrochada à moda americana, Cauby Peixoto sempre se vestiu com muitos brilhos de vaidade: veludo na voz, seda e lamê nos figurinos, look laquê nos cabelos ondulados, cristais nos acessórios, estampas. Melodias e letras compostas por alfaiates da canção, sob medida para seu estilo exacerbado de interpretação, nem sempre foram de fino corte, mas Cauby parece ter-se disposto a tudo que o levasse a agradar seu público (como outros cantores contemporâneos dele), mesmo que isso lhe custasse alguns arranhões e hematomas como marcas da histeria de fãs que não só se rasgavam por ele, mas rompiam suas roupas para levar de souvenir, no auge do sucesso. O cantor morreu aos 85 anos neste domingo, 15.

Na terra de seus ídolos e referências de sofisticação vocal, os norte-americanos Nat King Cole e Frank Sinatra, foi tema de reportagem como maior ídolo brasileiro por um período que durou mais de cinco anos. Se Conceição (Dunga/Jair Amorim), o maior sucesso radiofônico de 1956, é sua assinatura perpétua, foi conduzido a embarcar em várias ondas sem pudores, às vezes mal dirigido e com repertório e arranjos inferiores a seus grandes recursos vocais, mas incapaz de esnobar seu fã-clube.

Quem diria que o cantor que despontou como um protótipo do que viria a ser rotulado de brega décadas depois, intérprete de deslavados boleros, baladas, foxes, sambas-canções e outros gêneros de teor sentimental, se tornaria um pioneiro do rock – símbolo de rebeldia na década de 1950 – no Brasil? A ditadura da juventude no mercado discográfico já tinha levado a “rainha da fossa” Nora Ney a reproduzir em inglês, o marco oficial e primeiro grande sucesso do gênero, Rock Around the Clock, hit de Bill Haley & His Comets, de 1955.

Cauby, que tinha ido passar uma temporada nos Estados Unidos e adotado o pseudônimo Ron Coby, virou a casaca reluzente em 1957 ao gravar o que é considerado o primeiro rock brasileiro, composto por Miguel Gustavo e entregue a ele: Rock and Roll em Copacabana. Foi surpreendente e um eletrizante “estouro”, como se dizia à época. No mesmo ano ele gravaria outro single em 78RPM do gênero, Enrolando o Rock.

No final de 1958, porém, veio João Gilberto com sua voz intimista e aquela batida misteriosa e refinada, outra revolução para os jovens brasileiros, que havia certo tempo já não dançavam conforme o compasso dos adultos. O vozeirão de Cauby e outros grandes cantores da era do rádio soavam ultrapassados, ainda mais com o advento da televisão. Não adiantava mais enrolar o rock, que ganhava outra facção de público e elegia seus monarcas: Celly Campello e Sérgio Murillo. Havia, porém, espaço para uma grande diversidade de estilos, e, embora, com as atenções dos jovens voltadas para os novos ídolos, ele se manteve um bom tempo em cena graças ao fiel fã-clube.

Se, como disse Napoleão, “do sublime ao ridículo é só um passo”, Cauby chegou ao primeiro justamente pela liberdade de não temer o segundo, como determina o ensino básico de todo grande artista. Já era um mito quando se recolheu a um reduto próprio no período de ostracismo – com a mesma discrição que se manteve a respeito de sua sexualidade – passando dos grandes salões para a pequena boate Drink, que montou com seus irmãos, músicos de tarimba compatível com a dele, como quem se tranca no camarim para respirar fundo e cantar como nunca na volta à ribalta.

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Cauby cantou bem de tudo um pouco. Voltou às paradas no início da década de 1970, quando venceu o Festival de San Remo na Itália, com Zíngara.

Depois do Tropicalismo e do estrondo provocado por Roberto Carlos e sua turma da Jovem Guarda, tudo se transformara. E foram grandes compositores da geração surgida em meados da década de 1960 os responsáveis por outra guinada em sua carreira discográfica, quando criaram canções especialmente para seu álbum Cauby! Cauby! (1980), mesmo nome da faixa escrita por Caetano Veloso. Chico Buarque, leitor assíduo e profundo do que chamam de “alma feminina”, foi quem melhor traduziu Cauby ao compor Bastidores, inspirado no estilo dele e sobre uma personagem ambígua. Virou sua segunda Conceição.

Ângela Maria, sua contemporânea e equivalente feminino, passou pelos mesmos percalços dos ídolos quando são demarcados pelas rugas do tempo. Ao associar-se com ela, Cauby repôs-se em movimento, atraindo público de diversas gerações, entre velhos admiradores e novos curiosos interessados num período importante da história da canção brasileira. Foi assim até recentemente, quando houve o reencontro para celebrar seis décadas de glória, cantando grave e firmemente ao lado dela, apesar de alguns lapsos de memória. E todo o teatro pediu bis e aplaudiu de pé quando chegou ao fim.


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