Quando Cássio trocou o PSV, da Holanda, depois de um período de pouco sucesso, e aceitou a proposta do Corinthians, seu único desejo naquele momento era ter uma oportunidade para jogar. Dez anos depois, o goleiro que mais vestiu a camisa alvinegra se orgulha de poder dizer que alcançou muito mais do que desejava. Empilhar recordes e levantar taças passou a ser algo rotineiro na vida do jogador de 35 anos, decisivo, principalmente, nas conquistas da Copa Libertadores e do Mundial de Clubes. Mesmo assim, a sua jornada de brilho não o deixa deslumbrado. “Não tenho vaidade nessas questões de ser o maior goleiro ou o maior jogador”, afirma.

Sua trajetória no Corinthians inclui nove troféus em 613 partidas até a data da entrevista, marcas expressivas e uma idolatria que não pensava em obter em seus melhores sonhos. É apontado como o maior goleiro da história do Corinthians e pode se tornar o atleta que mais atuou pelo clube paulista. Para isso, tem de superar o ex-lateral Wladimir, presente em 806 confrontos. “Por idade e pela média de jogos que tenho feito por ano, é possível. Tenho de ir ano a ano, foi assim que cheguei nos 600 jogos”, diz o ídolo corintiano, com o qual o Estadão conversou no CT Joaquim Grava.

No seu auge técnico e físico, Cássio faz planos de jogar mais cinco ou seis temporadas, o que o faria se aposentar com 40 ou 41 anos. Embora a aposentadoria esteja distante, ele já se prepara para o pós-carreira. A ideia é continuar no futebol à beira do gramado. “Minha área é o futebol. Tenho muito o que aprender, mas já conheço como funciona. Já estou vendo cursos obrigatórios para treinador”, conta.

Você se considera o maior goleiro da história do Corinthians?

Independentemente de ter passado o número do Ronaldo, pra mim ele vai ser sempre o maior goleiro da história do Corinthians. O fato de eu ter conquistado tanta coisa não vai mudar minha opinião. Muito se fala também sobre quem é o maior jogador da história do Corinthians. Do meu ponto de vista, é a torcida. Se for pegar os momentos do Corinthians, tem jogadores que se destacaram em décadas diferentes. Neto, Marcelinho, Sócrates, mas a Fiel está desde o começo e vai estar até o fim. Não tenho vaidade nessas questões de ser o maior goleiro ou o maior jogador. A torcida é fiel em todos os momentos, nas derrotas e vitórias. Na reorganização do time, a torcida esteve sempre presente. Por mais que eu tenha conseguido coisas grandiosas, são números expressivos, a minha opinião continua a mesma. Eu tinha muita certeza que iria conseguir bater os recordes, e na minha opinião isso não muda nada.

Quando chegou no Corinthians, imaginava viver tudo isso?

Esperava ter a oportunidade de jogar. Nem nos meus melhores sonhos imaginei que aconteceria tudo isso. Mas claro que me dediquei, trabalhei e tentei fazer meu melhor no dia a dia para ajudar o Corinthians. A importância de títulos, de ter regularidade te credenciam a ficar mais tempo no clube. Já tive propostas para sair e não saí em certos momentos. Foi melhor assim. Consegui passar por momentos de altos e baixos e estamos aí há 11 anos.

Você tem 613 jogos pelo Corinthians e está a 194 de se tornar o atleta que mais vezes atuou na história. Seu contrato vai até o fim de 2024. Dá para alcançar Wladimir?

Por idade e pela média de jogos que tenho feito por ano é possível. Tenho que ir ano a ano, foi assim que cheguei nos 600 jogos. Tenho que continuar focado e terminar bem essa temporada. O Brasileirão está afunilando, está num momento de decisões, estamos na semifinal da Copa do Brasil. O foco é ajudar o Corinthians e pensar ano a ano. Não posso reclamar do meu contrato. É longo e muito bom. Todos têm sido maravilhosos comigo.

Esperava que estivesse no auge de novo, agora mais experiente, aos 35?

Muitas pessoas não achavam que eu e o Corinthians fizéssemos essa temporada. O clube vem de uma reformulação, com uma mescla de jogadores experientes e atletas vindos da base. Tem muitos jogadores que podem crescer. Hoje, o futebol mudou muito. Com 35 anos, antigamente, o jogador “já era”. A idade só vai fazer a diferença quando eu não conseguir treinar e jogar. Não é meu caso. Sempre tive confiança no meu potencial. Não tenho feito nada diferente. É dedicação e trabalho. Fico feliz de poder ver o Corinthians bem, em sintonia. O estádio voltou a ser um caldeirão, voltamos a conseguir resultados positivos. Pegamos dois anos em que a gente não brigou por títulos e agora o Corinthians voltar a estar entre os primeiros, com estabilidade, é gratificante. Isso sem o mesmo investimento das outras equipes.

Você foi ameaçado por corintianos e quase agredido por um santista. Essa escalada de casos de violência é recorrente no futebol brasileiro. Como os jogadores podem ajudar a coibir essas agressões? Você acha que falta união entre os jogadores?

Acho que poderíamos ser mais unidos, mas não só por nós. Passa pela diretoria, pela imprensa. Acho que para o futebol melhorar precisa de um pouco de todos. Nós somos importantes, mas todos são importantes. Todos têm que fazer um pouquinho.

Quando recebeu as ameaças, você pensou em deixar o Corinthians?

Conversei muito com a minha mulher. Quando tudo acontece, é difícil. Uma coisa é você ser criticado, outra ameaçado. Muita gente fala: ‘ah, está fazendo onda’. É fácil falar de fora. É fácil porque não aconteceu com você de falar, ameaçar e mostrar a arma. Não era um menino o cara que ameaçou minha família. Ele tinha passagem pela polícia. Não é uma coisa normal. De uma forma geral, falta muito pouco para acontecer uma tragédia. Acho que em certos momentos, a gente está brincando com essa situação. Não existe punição. Um cara tentou me agredir em campo e o Santos pegou dois jogos. O Danilo ficou quase cego e teve jogo. No Gre-Nal um jogador do Grêmio levou um celular na cabeça. São vários episódios e não existem punições. Quando mexe com a família é difícil. Fiquei muito chateado. Também sei que não foi a torcida corintiana. Foram algumas pessoas que dizem ser torcedores. Pra mim, é um episódio que ficou para trás. Não guardo mágoa nenhuma.

O período em que você saiu do eixo, em 2016, e perdeu a titularidade foi seu pior momento no Corinthians?

Foi uma fase que tive que me readaptar, olhar para o que estava errando. A culpa era minha. Não me cuidei, não me preparei bem e perdi o foco. Faz parte do profissional também. Às vezes estamos sujeitos a isso. Acabei não me cuidando, vacilei e perdi a posição. Dificilmente, você vai ser sempre uma unanimidade. Do meu ponto de vista, vejo que a cobrança é constante à medida que você joga cada vez mais em alto nível. Pelo goleiro que sou, ouço questionamentos do tipo: ‘o Cássio não poderia tomar aquele gol’. Mas faz parte. Não fico me apegando. Temos que ser positivos em todos os sentidos, se as coisas vão bem ou não. Se as coisas não vão bem, não me acho o pior goleiro do mundo. Dá pra tirar aprendizado de tudo. Eu me cobro muito com minha equipe, os treinadores de goleiros. Cada dia mais quero estar evoluindo e com a cabeça aberta. Eu já escutei muitas críticas que me fizeram evoluir como pessoa e atleta. É uma constante evolução. Nem tudo que escuto levo ao pé da letra, mas muitas coisas me fazem melhorar.

Muitos acham que essa temporada brilhante te credencia a uma vaga na seleção. Você concorda?

A seleção brasileira tem grandes goleiros. Os que têm sido convocados vêm muito bem. Há outros goleiros que poderiam estar na seleção pelo que vêm apresentando. Se for chamado, vou estar preparado. Tenho muito respeito pelos goleiros que estão sendo convocados. Indo ou não para a Copa, vou torcer pela seleção. Respeito o trabalho dos goleiros e vou sempre torcer pela seleção. Se precisar, com certeza estarei preparado.

A ideia é se aposentar no Corinthians?

Vai depender do presidente (Duílio Monteiro), do diretor (Roberto de Andrade) (risos). Vamos ver se eles vão me dar contrato até lá. O que posso dizer é que me sinto bem aqui, à vontade e motivado para treinar e jogar. Não é porque alcancei números expressivos que não tenho de me esforçar para evoluir. Tento ajudar os mais novos e fazer o melhor que posso para ajudar o Corinthians.

Até quando dá pra jogar?

Hoje, eu treino mais do que treinava quando tinha 25. Na parte física, estou no auge quanto a peso e massa muscular. É difícil falar. Eu tenho uma meta de 40 anos para jogar em alto nível. Creio que é uma meta aceitável porque hoje em dia os treinamentos e a parte de alimentação evoluíram muito. Quanto mais experiente, você muda algumas coisas na rotina e se adapta conforme a sua idade. Tenho me sentido bem e motivado. Penso em 40, 41 anos. Quando chegar aos 39, vou começar a ver como está meu corpo. Hoje, você vê vários goleiros longevos. O Fábio, do Fluminense, por exemplo. Muitas pessoas falam da idade, mas você tem de começar a falar da idade se o jogador tem algum problema ou não está correspondendo. Aqui no Corinthians, o ambiente é maravilhoso. Mesmo se um dia você chegar triste por perder um jogo, eles te ajudam a levantar o moral. É impressionante. Tenho orgulho de fazer parte disso. O ambiente aqui é muito legal. Dá para falar que formamos uma família. Tem pessoas que ajudam a gente a crescer. Com certeza, nos momentos difíceis, elas te fazem evoluir. Falo de todo mundo, do pessoal que não aparece. São pessoas muito importantes. É impossível não ter motivação aqui dentro para evoluir.

Você tem uma pizzaria no Sul. Quando parar, vai se concentrar na carreira de empresário ou vai continuar no futebol?

Vou continuar no futebol. Já estou vendo cursos obrigatórios para treinador. Tenho um bom tempo de bola, coisa de cinco ou seis anos, mas eu vejo que muitos jogadores não se preparam para o pós-carreira. Minha meta é tentar fazer cursos. Vou fazer o de treinador da CBF e também o de gestor. O que eu puder fazer para ter conhecimento vou fazer. Minha área é o futebol. Tenho muito o que aprender, mas já conheço como funciona. Trabalhei a vida inteira no futebol. O que puder eu vou fazer para me preparar para depois que parar. A pizzaria é minha irmã que cuida. Dou um auxílio pra ela.

O que o Corinthians representa na sua vida?

Muita coisa. Devo muito ao Corinthians. São tantas emoções e coisas boas. O Corinthians é minha casa. É uma troca, é emocionante. Não tenho dimensão de tudo que consegui aqui. Confesso que às vezes fico parado, no vestiário, pensando: “cara, eu jogo no Corinthians”. Quando eu entro no estádio lotado me emociona. A homenagem que recebi pelos 603 jogos foi fantástica. Fizeram tudo o possível. O pessoal conseguiu também um vídeo do Tom Brady, que admiro muito, embora seja de outro esporte. É o maior da NFL. Tudo que eu tenho vivido devo ao Corinthians. O que posso fazer é me doar de coração diariamente. Olho para trás e lembro do sonho de criança de ser jogador de futebol, e hoje vejo que estou há tanto tempo no Corinthians. É gratificante. Me dedico diariamente para deixar essa instituição sempre lá em cima.