Casos de racismo aumentam e colocam futebol italiano em xeque

SÃO PAULO, 24 OUT (ANSA) – Por Renan Tanandone – O início da atual temporada da Série A da Itália foi manchado por novos casos de racismo. Em oito rodadas já disputadas, jogadores como Romelu Lukaku, da Inter de Milão, Dalbert, da Fiorentina, Franck Kessié, do Milan, Juan Jesus, da Roma, e Ronaldo Vieira, da Sampdoria, já sofreram insultos discriminatórios. A falta de punições mais severas fez a Federação Italiana de Futebol (Figc) ser pressionada por autoridades e jogadores. A entidade aprovou no início de outubro algumas diretrizes para incentivar os clubes do país a combaterem o racismo de seus torcedores, como investir mais em segurança e tecnologia nos estádios, porém o problema está longe de uma solução. A questão do racismo no futebol italiano é algo antigo, como mostra um estudo divulgado recentemente pela Associação Italiana de Jogadores (AIC). O levantamento diz que o número de casos de ofensas e agressões raciais nos estádios do país vem aumentando progressivamente desde 2015.Na temporada 2017/18, a entidade contabilizou 129 episódios de violência e intimidação, sendo que 41% tiveram conotação racista. Em 2016/17, foram registrados 114 casos, dos quais 36% eram ligados ao racismo; em 2015/16, esses números foram de 117 e 21%, respectivamente. A cifra de episódios de racismo na temporada 2017/18 é a maior já registrada pela AIC, que começou a levantar as estatísticas em 2013 – os dados de 2018/19 ainda não estão disponíveis.Além disso, a pesquisa revela que 59% dos casos de racismo na temporada 2017/2018 ocorreram em partidas de torneios profissionais, e 41%, em campeonatos amadores. Em entrevista à ANSA, Christos Kassimeris, professor de ciência política da Universidade Europeia do Chipre (EUC) e autor do livro “Futebol Europeu em Preto e Branco”, afirmou que o alto fluxo migratório na Itália e a ascensão da extrema direita contribuíram para o aumento dos casos de racismo no futebol do país.”No caso da Itália, parece haver uma série de questões. Uma delas é a migração, que incomodou todos os países europeus, particularmente a Itália. Isso se juntou ao fato de a Itália ter testemunhado recentemente um crescimento acentuado da extrema direita, com o partido de Matteo Salvini [Liga]. A ideologia política e a retórica antimigração podem influenciar setores da sociedade”, explicou Kassimeris.   

Já o sociólogo esportivo Ellis Cashmore, da Universidade de Aston, no Reino Unido, disse que o racismo está “profundamente enraizado no futebol italiano” e é associado a “torcedores organizados” e “movimentos neofascistas”, em uma ideologia passada de pai para filho.Para alguns cartolas, no entanto, o problema não é tão grave quanto mostram os números. O presidente do Comitê Olímpico Nacional Italiano (Coni), Giovanni Malagò, afirmou recentemente que cavar uma penalidade é pior do que os coros racistas. Já Claudio Lotito, presidente da Lazio, disse que as vaias a jogadores negros “nem sempre correspondem” a um ato discriminatório.Na visão de Cashmore, políticos e autoridades “quase desistiram” de tentar combater o racismo no futebol italiano e adotam a estratégia de “negar” os casos.   

Marcelo Carvalho, idealizador do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, disse à ANSA que a falta de punições e o baixo número de pessoas negras em “cargos de decisão” contribuem para o aumento dos casos de racismo. “A falta de punição e a falta de pessoas negras em cargos de decisão fazem os casos de racismo serem minimizados, colaborando para o crescimento da intolerância”, disse Carvalho.Antissemitismo – A inércia das autoridades italianas para combater o racismo contra negros contrasta com as reações sempre imediatas quando se trata de outros tipos de preconceito. Em 2017, um ato antissemita da torcida da Lazio, que espalhara pelo Estádio Olímpico adesivos de Anne Frank com a camisa da Roma, gerou condenações veementes, de cartolas ao presidente da República.Após aquele episódio, cartolas italianos e uma delegação da Lazio visitaram o campo de extermínio de Auschwitz, na Polônia, trechos do “Diário de Anne Frank” foram lidos nos estádios e, o mais importante, a polícia baniu torcedores envolvidos de eventos esportivos por até oito anos.Segundo Cashmore, essa diferença de tratamento acontece porque o antissemitismo costuma deixar os italianos mais “desconfortáveis”, já que “evoca imagens do passado e tem conotações do nazismo”.Jogadores – A lista de atletas que já sofreram discriminação na Itália é extensa. Entre eles estão Samuel Eto’o, Kevin Prince Boateng, Kalidou Koulibaly, Osarimen Ebagua e Moise Kean. O atacante Mario Balotelli, atualmente no Brescia, também já foi alvo de insultos em diversas ocasiões e hoje é uma das principais vozes contra o racismo no futebol italiano.Um dos casos mais emblemáticos aconteceu com o ex-jogador Akeem Omolade. Em 2001, quando atuava pelo Treviso na Série B, a torcida do seu próprio time deixou o estádio após o atacante ter entrado em campo. No duelo seguinte, o nigeriano marcou um gol, e seus companheiros de equipe disputaram o jogo com os rostos pintados de preto – o que para muitos também é uma prática racista.A ANSA tentou contato com 10 ex e atuais jogadores com passagens pelo futebol italiano, mas apenas um quis se pronunciar, o meio-campista Everton Luiz, ex-Spal. Hoje no Real Salt Lake, dos Estados Unidos, o atleta de 31 anos disse que a falta de punições é um incentivo para novos casos de racismo.”Fico triste que isso ainda aconteça, se não tiver uma punição dura, nunca vai parar”, contou. Everton Luiz disse nunca ter sofrido discriminação na Itália, mas já foi alvo de ofensas racistas quando defendia o Partizan, da Sérvia.”Foi muito difícil, ainda mais porque nunca tinha acontecido isso comigo.   

Consegui segurar até o final, mas, quando acabou o jogo, explodi e acabei reagindo”, afirmou. Na ocasião, o atleta fez gestos obscenos para a torcida do adversário Rad Belgrado e deixou o campo chorando, precisando ser consolado pelo goleiro Filip Kljacic.Para o brasileiro, quando houver atos discriminatórios, os próprios jogadores devem se unir e “terminar a partida”.   

(ANSA)