GIUSEPPE CACACE / AFP

O meia Nouredinne Amrabat, do Marrocos, sofreu uma pancada na cabeça, na partida contra o Irã. Ele praticamente apagou, foi atendido pelo médico do selecionado marroquino e voltou para o jogo. Saiu aos 32’30 do segundo tempo, sendo substituído pelo irmão mais novo, Sofyan Amrabat, que também é armador. Novos exames mostraram que ele sofreu uma concussão e está fora do jogo contra Portugal, nesta quarta-feira.

O peruano Renato Tapia também sofreu um trauma numa jogada aérea durante o confronto contra a Dinamarca. Nesta segunda-feira, ele admitiu que não lembra de nada do jogo de estreia da seleção do Peru, derrotada por um a zero. São dois casos de concussão ocorridos na primeira rodada da fase de grupos da Copa de Mundo. Em comum, elas mostram um problema: o protocolo de atendimento nestes casos determinado pela Fifa ainda coloca os jogadores em risco.

JUAN BARRETO / AFP

Esta é a opinião de Américo Espallargas, advogado especializado em Direito Desportivo, mestre em Direito Desportivo Internacional pelo Instituto Superior de Derecho y Economia (Madrid, Espanha) e Administração Esportiva pela Columbia University (Nova Iorque, EUA).

Para ele, a Fifa precisa melhorar o protocolo já adotado. “Hoje, o árbitro do jogo tem que acatar o que o médico do time do atleta determinar. O juiz precisa apenas chamar o atendimento e pedir para que o jogador seja levado para fora de campo. A partir disso, a decisão é do médico. Só ele pode dizer se o jogador está ou não apto a voltar”, explica.

Espallargas defende que a entidade máxima do futebol busque a experiência adotada pela NFL, a liga de futebol norte-americano e também pela NBA, que rege o basquete profissional nos EUA. Nos dois casos, a vítima de uma pancada na cabeça deve ser examinada por pelo menos dois médicos (um deles pode até ser do time adversário), levado ao vestiário para exames até que o jogador se recupere. Ele será impedido de continuar o jogo. Será observado por exames. Vai voltar a treinar primeiro sem contato físico e depois com contato físico.

Cada vez mais, os jogos de futebol têm produzido lances de choque de cabeças. Isso se dá pela evolução na velocidade do jogo e na força empreendida pelos atletas. A pancada é mais forte. Por isso, de acordo com o doutor Américo, o cuidado para que se evite danos como a encefalopatia traumática crônica (CTE, na sigla em inglês).

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Trata-se de um quadro de danos cerebrais irreversíveis que foram contatados pelo patologista nigeriano Bennet Omalu, em 2002, quando se defrontou com casos de mudança de comportamento de atletas da NFL. Baseado nos estudos de Omalu, os dirigentes da NFL, quando se viram pressionados pelos jogadores, adotaram o protocolo que hoje é aplicado nos EUA.

Leia abaixo a opinião do Dr. Américo Espallarga:

Concussão: O atraso do futebol em relação aos protocolos praticados em outros esportes

Os esportes americanos são um bom paradigma pra gente tratar dos casos de concussão. A NFL reformou recentemente a política no futebol americano para tratamento de concussão, muito em razão de ter sofrido danos na casa de bilhão de dólares em razão de ações coletivas promovidas pelos jogadores de futebol americano, ou no caso ex-jogadores, pelos danos cerebrais que lhes foram causados em razão das concussões, e a partir disso, a NFL tem tomado medidas mais drásticas.

Ao contrário da FIFA, que tem uma diretriz, na NFL é um protocolo obrigatório: todo jogador que sofre uma pancada na cabeça, que caia no chão, que aparente perde os sentidos, que coloque a mão na cabeça ao sofrer um choque, tem que obrigatoriamente passar pelo protocolo.

O protocolo tem o médico do time, o médico do time adversário e um médico neutro contratado da Liga, pra fazer a avaliação clínica se o atleta apresenta sinais de ter sofrido uma concussão ou não. Se ele sofreu uma concussão, ele está fora do jogo automaticamente e vai passar por um protocolo de concussão, inclusive no que diz respeito à recuperação. Vai ficar fora de jogo, fora de treinamento de contato, e vai ter um quadro evolutivo gradual até poder se recuperar via protocolo e ser considerado apto para jogar novamente. E isso é um protocolo longo, isso demora, porque os efeitos da concussão são muito graves por causa da pancada na cabeça, especialmente no futebol americano, que é um esporte que tem muito contato.

Se sairmos da NFL e passar para a NBA, por exemplo, podemos citar um caso recente, o Kevin Love, do Cleveland Cavaliers, que sofreu uma concussão e ficou fora do primeiro jogo das finais da NBA. A NBA também tem um protocolo próprio que exige que o atleta seja avaliado, e se for entendido clinicamente que ele sofre a concussão, fica fora do jogo. O hockey, também pelas pancadas na cabeça, tem um protocolo próprio.

Saindo um pouco dos esportes americanos, o Rugby é outro que tem um protocolo e exige o exame fora do campo, ele vai fazer uma nova análise clínica pelo médico do próprio time e pelo médico da equipe adversária para ser considerado apto ou não.

Vemos na verdade que a conclusão é que o futebol está muito atrás nesse tipo de preocupação e está deixando muito a desejar nesse tipo de preocupação. É muito incipiente ainda e ele poderia emprestar conhecimentos e práticas de outros esportes pra proteger melhor esses casos.

Os EUA têm desenvolvido no âmbito da própria liga deles, da MLS, estudos no sentido de tentar preservar essa situação, porque eles sabem que a exposição legal deles em casos de jogadores que venham a sofrer danos, pra pedir indenizações por causa da ausência de políticas protetivas  a uma chance de perder uma ação dessas é bastante grande.

A política da FIFA é uma política de recomendação. Não existe um protocolo obrigatório da FIFA como existe em outros esportes para proteger jogadores em caso de concussão.


Esse assunto tem sido revisitado pela FIFA ultimamente, desde o caso do Kramer, na final da Copa do Mundo no Brasil, de 2014. O Kramer tem um choque, ele está claramente atabalhoado, ele sofre uma concussão efetivamente no jogo e continua até, se não me engano, o intervalo, quando depois ele é substituído. Ele reconhece e tem depoimento dele dizendo que ele não se lembra da final, em razão da pancada na cabeça.

Então a FIFA evoluiu desde 2002, especialmente, mas não existe um protocolo mandatório tal qual outros esportes fazem. Então é muito incipiente e são muito brandas as medidas que a FIFA toma em relação a casos de concussão. O árbitro tem autorização pelas diretrizes da FIFA a parar o jogo por até três minutos e escutar expressamente do médico responsável se o jogador está em condição de seguir no jogo ou não. Então é uma coisa bastante simplificada se a gente comparar com outros casos.


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