Caso Vitória: família entra na justiça contra a Globo e Patrícia Poeta; entenda

A ação, que será protocolada na próxima semana, pede uma indenização de R$ 200 mil pela exposição vexatória

Globo e Patrícia Poeta podem ser processados após desvendar o
Globo e Patrícia Poeta podem ser processados após desvendar o 'Caso Vitória' ao vivo Foto: Reprodução/TV Globo

A família de Vitória Regina de Sousa, de 17 anos, jovem assassinada em Cajamar, na Grande São Paulo, ingressará com uma ação judicial contra a Rede Globo e a apresentadora Patrícia Poeta, após Carlos Alberto Souza, pai da vítima, ser surpreendido pela apresentadora no programa “Encontro” com a notícia ao vivo sobre a autoria e motivação do crime.

O episódio, transmitido em rede nacional, gerou grande repercussão e críticas à jornalista. Os advogados da família, Dr. Fabio Costa e Dr. Luiz Fernando Ortiz, já finalizaram a peça inicial da acusação. A ação, que será protocolada na próxima semana, pede uma indenização de R$ 200 mil pela exposição vexatória de Carlos Alberto.

Em entrevista à CNN, o Dr. Fabio Costa afirmou que Carlos Alberto se sentiu “surpreso, perplexo e, principalmente, humilhado” com a condução da entrevista. Segundo o advogado, o pai da jovem estava disposto a participar do programa, mas não esperava ser confrontado com informações sensíveis de forma inesperada.

IstoÉ Gente tentou contato com as assessorias de imprensa da Globo e da apresentadora Patrícia Poeta, mas, até o momento, não obteve resposta. O espaço para manifestações está aberto.

O processo de investigação

Luiz Carlos do Carmo, diretor do Departamento de Polícia Judiciária da Macro São Paulo (DEMACRO), afirmou que a investigação começou nas pessoas próximas da vítima, chamada operação latos senso, que visa apurar as informações em relação a rotina e características da vida da vítima.

Lista de suspeitos

  • Gustavo Vinícius, ex-namorado de Vitória, apresentou-se à polícia alegando temer por sua vida. A polícia possui evidências que o colocam perto do local do crime e aponta inconsistências em seu depoimento. A geolocalização de seu celular o situa próximo à residência da vítima no momento do crime.
  • Maicol Antônio Sales dos Santos, dono do Toyota Corolla supostamente usado para perseguir Vitória, foi preso. Sua esposa contesta o álibi apresentado por ele. Contradição em depoimento motivou prisão de suspeito.
  • A polícia encontrou a prova que pode finalmente ajudar a trazer um desfecho para a investigação da morte da jovem. Vestígios de sangue foram localizadas no veículo do único suspeito preso, Maicol Antônio Sales dos Santos.
  • Daniel Lucas Pereira, teve o pedido de prisão negado. Ele forneceu filmagens do trajeto de Vitória entre o ponto de ônibus e sua casa. O pedido de prisão contra Daniel também foi negado.
  • A polícia investiga o envolvimento de outras pessoas. Dois homens que seguiram Vitória após ela sair do shopping e outros dois que entraram no ônibus atrás dela também são investigados, assim como o motorista que estava no Corolla. Ainda não está claro se os suspeitos que seguiram a vítima e entraram no ônibus são um dos nomes citados acima.

Revelação ao vivo

Na manhã da última sexta-feira, 7, Patrícia Poeta questionou o pai de Vitória sobre o ex-namorado da filha, que também está sendo investigado, e, de repente, trouxe à tona novos desdobramentos do caso. Carlos não sabia sobre as informações contadas pela apresentadora do “Encontro” e ficou sem reação.

“Agora, vem cá, acabei de receber a notícia aqui, seu Carlos, que a Polícia Civil disse agora há pouco ter esclarecido o assassinato da sua filha. Foi um crime passional. Segundo a polícia, o assassino é um homem chamado Daniel, que tinha um relacionamento amoroso com o ex-namorado da Vitória”, revelou.

“Ele teria contado com dois amigos que ajudaram a matar e a transportar o corpo de Vitória e, de acordo com a apuração do repórter Bruno Tavares, os três homens estão escondidos numa área de mata em Cajamar. As buscas pelos três suspeitos já começaram, e a gente vai acompanhar os desdobramentos. O senhor estava sabendo disso?”, perguntou a famosa.

Carlos Alberto Souza ficou com uma expressão quase anestesiada e revelou que não havia recebido aquelas informações até então. “Não. Não sabia de nada disso. Não conheço ninguém com esse nome. Patrícia, será que dava para você repetir para mim, qual foi o motivo?”, pediu ele.

“Seria crime passional. Daniel seria namorado do ex-namorado da sua filha. Ou seja, é um crime passional, em outras palavras. Daniel, que o senhor disse que não conhece, teria contado com a ajuda de dois amigos para, infelizmente, matar e transportar o corpo de Vitória”, repetiu ela. Ele se limitou a agradecê-la. “Tá. Obrigado”, disse.

Assista ao vídeo:

Detonada pelo público

Nas redes sociais, Patrícia Poeta foi chamada por internautas de indelicada e teve sua postura comparada a programas sensacionalistas.

“Quem deixou a Patrícia Poeta dar essa notícia assim, desse jeito?”, questionou uma internauta chamada Fernanda Prieto no X.

“Que vergonha da Patrícia Poeta, ela está tratando o caso como se fosse uma fofoca! A busca pela audiência vale isso tudo? Que vergonha, que vergonha, Patrícia Poeta!”, reclamou outra usuária identificada como Victória.

“Simplesmente ela contando para o pai da garota por que mataram a filha dele ao vivo. Quanta sensibilidade da Patrícia Poeta…”, acrescentou mais um, ironicamente.

“Gente do céu, o pai da Vitória não sabia de nada, estava dizendo que queria saber por Justiça. E a Patrícia Poeta avisa ao vivo que a polícia acabou de descobrir quem é. Ela avisa o homem ao vivo, que não tem nem reação. Sônia Abrão 2.0”, comparou Paula Cruz.

Na ocasião, a reportagem de IstoÉ Gente conversou com a advogada especialista em direito de família Antília da Monteira Reis para saber se a Globo e a apresentadora Patrícia Poeta poderiam ser processadas pela família de Vitória após a revelação do caso de forma direta e sem nenhum preparo emocional ao pai da vítima, ao vivo, em rede nacional.

“O episódio envolvendo a apresentadora Patrícia Poeta e a revelação, ao vivo, da identidade do assassino de Vitória ao seu pai, Carlos Alberto Souza, levanta importantes questões jurídicas tanto na esfera criminal quanto na cível. Cabe providências nas áreas cível e criminal contra a apresentadora e a Rede Globo”, afirma a profissional.

“O ato de revelar informações sensíveis de crime, com requintes de crueldade para o genitor, profundamente abalado pela situação, ao vivo e em rede nacional, pode configurar algumas infrações no âmbito penal, dependendo da forma e das consequências do ato”, diz a advogada, que ainda cita os aspectos criminais — possível violação de direitos.

  • Violação da dignidade da pessoa humana e sofrimento psicológico

A Constituição Federal, no artigo 1º, inciso III, estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos princípios fundamentais do Estado. A divulgação abrupta de uma informação de extrema carga emocional pode ser analisada sob a ótica do artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que protege a liberdade de expressão, mas veda abusos que causem sofrimento desnecessário. Entendo que a apresentadora deve ser denunciada.

  • Violação ao sigilo processual e ao direito à intimidade

Se a informação sobre o autor do crime estiver protegida por sigilo processual, o que ocorre na grande maioria dos casos análogos, sua divulgação pública configura infração ao artigo 153 do Código Penal, que trata da divulgação indevida de segredo, caso a apresentadora tenha tido acesso a essa informação por meio de fontes oficiais antes que fosse tornada pública.

  • Sensacionalismo e maus-tratos psicológicos

Sua interpretação pode ser expandida para incluir exposições públicas desnecessárias que causem sofrimento. Ainda, o artigo 147-A do Código Penal (Crime de Perseguição/Stalking) pode ser avaliado pelo abuso de exposição midiática sem o consentimento da vítima, o genitor, no caso.

  • Aspectos cíveis: responsabilidade da emissora e da apresentadora

Além das possíveis repercussões criminais, o caso pode ser analisado sob o prisma da responsabilidade civil, levando à obrigação de reparação por danos morais.

  • Direito à privacidade e à intimidade (Art. 5º, X da Constituição Federal)

O artigo 5º, inciso X, da CF assegura o direito à privacidade e à intimidade, determinando que violações indevidas geram direito à indenização. Ao expor um indivíduo a um momento de choque e sofrimento público, a apresentadora e a emissora podem ser responsabilizadas civilmente.

  • Dano moral (Art. 186 e 927 do Código Civil)

O artigo 186 do Código Civil estabelece que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Já o artigo 927 do Código Civil determina que quem causa dano a terceiro é obrigado a repará-lo. Neste caso, a conduta da apresentadora pode ser entendida como negligente, pois resultou em sofrimento emocional desnecessário ao pai da vítima.

O genitor foi exposto desnecessariamente à violência emocional, sem nenhuma responsabilidade, o que poderia ter provocado gravíssimos problemas de saúde pelo impacto covarde a que foi submetido em rede nacional e ao vivo. Vê-se no vídeo que o genitor ficou em estado de choque.

  • Responsabilidade da emissora (Teoria do risco do empreendimento – Art. 932, III, do Código Civil)

Mesmo que a decisão de revelar a identidade do assassino tenha partido da apresentadora, a emissora também pode ser responsabilizada, conforme o artigo 932, III, do Código Civil, que dispõe que o empregador responde pelos atos de seus empregados quando praticados no exercício do trabalho.

Se comprovado que a abordagem causou traumas psicológicos e sofrimento indevido, tanto Patrícia Poeta quanto a Globo podem ser obrigadas a pagar indenização por danos morais ao pai da vítima.

  • Responsabilidade objetiva do empregador – Art. 932, III, do Código Civil

O artigo 932, inciso III, do Código Civil, estabelece que o empregador responde pelos atos de seus empregados e prepostos quando praticados no exercício do trabalho. Ou seja, a Globo é responsável por eventuais danos decorrentes da conduta da apresentadora, independentemente de culpa direta.

  • Teoria do risco do empreendimento – Art. 927, parágrafo único do Código Civil

A emissora atua no setor de comunicação e jornalismo, assumindo riscos inerentes à atividade. Assim, ao permitir que informações sensíveis sejam divulgadas sem o devido cuidado, poderá ser responsabilizada pelos prejuízos causados ao entrevistado, ainda que não tenha ordenado diretamente a conduta da apresentadora.

  • Falha na supervisão editorial e violação de direitos fundamentais

A divulgação do nome do assassino ao vivo, sem qualquer preparo prévio do entrevistado, pode ser considerada uma falha editorial da emissora, que tem o dever de supervisionar e orientar seus profissionais para garantir que a informação seja transmitida de forma ética e responsável.

Além disso, a conduta pode ter violado direitos fundamentais do pai da vítima, como o direito à privacidade, à dignidade e à integridade emocional, assegurados pelo artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal.