A polêmica no caso do beijo forçado de Luis Rubiales mostra, de acordo com especialistas, que o machismo não tem mais lugar na Espanha – um país referência no âmbito do feminismo.

“Um beijinho consentido é para me tirar daqui?” questionou na sexta-feira (25) o presidente da Federação Espanhola de Futebol (RFEF), incrédulo perante o escândalo desencadeado pelo beijo que deu na boca da jogadora Jenni Hermoso na celebração pela vitória da seleção espanhola na Copa do Mundo, em Sydney, no dia 20 de agosto.

Durante um discurso, Rubiales atacou o “falso feminismo” e afirmou que esta era “uma lição de vida” para suas três filhas presentes na plateia do auditório, composta principalmente por homens, que o aplaudiram apesar da enxurrada de críticas e dos pedidos para deixar a direção do time.

Para a professora de sociologia Aina López, da Universidade Complutense de Madri, a resposta contundente da sociedade espanhola mostra que este caso marcará “um antes e um depois”.

Rubiales representa “uma voz do passado” que critica “certo feminismo” porque está consciente de que “não pode mais falar mal do feminismo em geral”, afirma López.

– “Um homem das antigas” –

“‘Cara, eu não a estuprei’, foi o que Rubiales disse no discurso”, conta a socióloga Inés Alberdi, especializada nos direitos das mulheres.

Para a ex-diretora executiva do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), o chefe da RFEF, agora suspenso, é “um homem das antigas”.

A polêmica, que se tornou uma questão de Estado, “mostra a linha geracional e cultural entre as profundas tradições do machismo e o mais recente progressismo que colocou a Espanha na vanguarda europeia em questões de feminismo e igualdade”, escreveu o New York Times – um dos vários jornais internacionais que abordaram o assunto.

Rubiales é o mesmo “machista de sempre”, ressaltou a ex-diretora do Instituto da Mulher, Marina Subirats, ao citar seu “vocabulário e um gesto, como tocar nos ovos (genitais)” ao lado da rainha Letizia, no camarote durante a final do Mundial.

A socióloga López aponta que depois de casos como o “La Manada” – um estupro coletivo de uma jovem, em 2016 -, que gerou uma manifestação gigante de rejeição, este novo escândalo “obriga a sociedade a considerar este tipo de comportamento que não é tão grande” e a questionar “se uma mulher tem que aguentar um homem beijando-a daquele jeito”.

Na segunda-feira, centenas de mulheres manifestaram-se no centro de Madri com gritos de “não é um beijinho, é uma agressão”.

O Ministério Público da Espanha abriu uma investigação preliminar contra Rubiales por um “suposto crime de agressão sexual”.

“Qualquer discriminação contra as mulheres acabou”, afirmou nesta terça-feira (29) o ministro dos Esportes espanhol, Miquel Iceta, em uma coletiva de imprensa. Ele saudou “uma verdadeira reação social e esportiva”, que irá fazer da Espanha “um país ainda melhor”.

– “Grande mudança de paradigma” –

A Espanha é um país de referência na luta contra a violência de gênero na Europa, uma vez que aprovou em 2004 uma lei pioneira que introduziu o sexo da vítima como circunstância agravante.

O consenso político que reinou durante anos na luta contra a violência de gênero, no entanto, foi recentemente quebrado com o surgimento do partido ultraconservador de extrema-direita Vox.

“É mais fácil mudar uma lei do que uma cultura”, reconheceu, na segunda-feira, a responsável do governo contra a violência de gênero, Victoria Rosell, que, no entanto, pontuou uma “grande mudança de paradigma” no país – onde se levanta cada vez mais a voz contra aqueles que acreditam ter “o direito de acesso aos corpos das mulheres”.

“Historicamente”, a Espanha “tem sido um país muito machista e é a primeira vez que uma sociedade se opõe amplamente e diz: ‘Não, não podemos admitir isto’. Está servindo de alerta”, concluiu Marina Subirats.

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