A dificuldade já era conhecida desde o final do ano passado: Lula enfrenta um Congresso mais oposicionista do que em seus mandatos anteriores, o que vai exigir muito mais negociações, especialmente com o Centrão.

O problema tinha se confirmado em janeiro, com a revelação das ligações perigosas da ministra do Turismo (a Daniela do Waguinho) com milicianos. O caso do titular das Comunicações, Juscelino Filho, deixou Lula numa posição ainda mais delicada. Juscelino é um exemplo acabado do que esse governo não precisava. Não tem nenhum vínculo com a pasta que comanda (sua única iniciativa parlamentar foi propor o Dia do Cavalo), usou o orçamento secreto para asfaltar uma estrada até suas propriedades no Maranhão e abusou de diárias oficiais e de jatos da FAB para participar de leilões de cavalos de raça – é proprietário de alguns, que omitiu da Justiça Eleitoral.

Os dois políticos são do União Brasil, apadrinhados por Davi Alcolumbre, e estão na Esplanada para garantir o apoio parlamentar ao governo. Por isso, ainda estão garantidos nos ministérios, ainda que tragam notícias negativas quase diárias e despertem o fogo amigo petista. Ontem, Lula teve uma conversa “séria” com Juscelino, que estava por um fio no cargo. Mas o petista resolveu bancá-lo, exigindo que o União se comprometa com as pautas governistas.

É difícil que isso aconteça. O União, que reúne o DEM e o antigo PSL bolsonarista, já deu mostras de independência em relação ao governo. Nem os parlamentares da legenda reconhecem os dois ministros como seus representantes. Arthur Lira não perdeu a oportunidade. O presidente da Câmara aproveitou a DR de Juscelino no Planalto para alfinetar Lula no mesmo dia. Declarou em evento na Associação Comercial de São Paulo que o governo ainda não tem base consistente para aprovar matérias por maioria simples, “quanto mais matérias de quórum constitucional”.

Essa advertência pública serviu para acuar Lula e mostrar que o petista pagará um preço alto para aprovar seus projetos. Já estamos na segunda semana de março, e até agora o governo parece perdido em suas iniciativas no Legislativo. Comissões vitais ainda são disputadas pelos partidos, as Medidas Provisórias do início do mandato podem caducar e as propostas de Fernando Haddad parecem ameaçadas, para dizer o mínimo. Como o novo marco fiscal, que poderia levar à baixa dos juros, vai passar em um Congresso hostil?

Enquanto duela com o Centrão fortalecido, Lula ainda queima capital político para esvaziar a CPI dos Atos Golpistas. Esse é um bom exemplo de como o governo está perdido na Câmara e no Senado. Ao boicotar essa comissão vital, o petista deu a bandeira da investigação do golpe para os bolsonaristas, que não se constrangem em transformar as diligências sobre os ataques terroristas em uma apuração sobre a omissão petista no 8 de janeiro. É uma aberração que mostra a confusão em que a articulação governista está metida. A negociação mais importante e difícil ainda está por vir, a da Reforma Tributária. Nessa toada, é cada vez mais difícil apostar que a gestão Lula vai desencantar fazendo essa mudança esperada há décadas. Aparentemente, parece apenas perdida tentando salvar as aparências no marco dos cem primeiros dias.