POSIÇÃO Gilberto Kassab é contrário ao voto impresso (Crédito:YASUYOSHI CHIBA)

Criar pautas que possam dividir os cidadãos é uma especialidade do presidente Bolsonaro. Mas ele fracassou quando tentou inventar um problema dizendo, sem provas, que o nosso sistema de votação é falho. A volta do voto impresso é uma fantasia do ex-capitão que não faz sentido. Não há risco de dizer que o nosso modelo de votação é um dos melhores do mundo. As urnas eletrônicas são seguras e absolutamente modernas. O sistema de apuração é excelente e reverenciado pela comunidade internacional. Exceto por meia dúzia de fanáticos, não há nada que justifique qualquer mudança. Reunidos, presidentes de 11 partidos políticos fecharam posição contrária ao voto impresso, inclusive com a participação de lideranças partidárias que apoiam o presidente. Eles representam mais de 63% dos deputados. O que, no entanto, o presidente não esperava era o fogo amigo. Entre as siglas estão aliados vitais ao Planalto como o PP e o PL. O cientista político Rubens Figueiredo pensa que é estranho o presidente renegar o sistema que o consagrou. “Bolsonaro está tentando criar uma justificativa antecipada caso não seja reeleito. Foi o que Trump fez com menos antecedência”, afirmou Figueiredo.

O caso está encerrado. O encontro aconteceu no sábado, 26, e os presidentes partidários que participaram da videoconferência entre outros foram antigos aliados como: Ciro Nogueira (PP), Gilberto Kassab (PSD), Luciano Bivar (PSL), Marcos Pereira (Republicanos), Paulo Pereira (Solidariedade), e Valdemar Costa Neto (PL). Estiveram presentes também os presidentes do DEM, MDB, PSDB e Cidadania. A disparidade ideológica de cada agremiação é tamanha que só mesmo uma proposta esdrúxula poderia trazer unanimidade dentro do grupo.

O presidente do PSD, Gilberto Kassab, fez uma declaração enfática sobre a posição do grupo. Ele disse que iria trabalhar para que quem esteja “armando para questionar as eleições, para criar tumulto, não seja bem-sucedido”. O PP, presidido pelo senador Ciro Nogueira, que flerta desde sempre a filiação de Bolsonaro para disputar o pleito em 2022, é um partido simbólico nesse caso. Nada menos do que o presidente da Câmara, Arthur Lira, está no partido. O Progressistas é tido como a principal sigla do Centrão e a sua posição impõe uma derrota acachapante ao presidente.

“Tem gente armando para questionar as eleições” Gilberto Kassab, presidente do PSD

ARTICULAÇÃO O ministro Alexandre de Moraes presidirá o TSE nas eleições de 2022 e defende as urnas eletrônicas nas conversas com parlamentares em Brasília (Crédito:FABIO POZZEBOM)

O cientista político Márcio Coimbra entende que Bolsonaro vai continuar insistindo no assunto, por mais que ele saia derrotado. Coimbra disse que talvez o presidente prefira perder. “O objetivo dele é questionar a lisura das eleições caso venha a fracassar no pleito de 2022”, afirmou Coimbra. Para ser aprovada a mudança, o Congresso precisaria votar uma Proposta de Emenda a Constituição (PEC) até outubro. São necessários 308 votos na Câmara e 49 votos no Senado. Além dos partidos que participaram do encontro, agremiações como PT, PSOL e PCdoB são contrárias ao voto impresso. O Planalto teria que negociar o tema com cada parlamentar para aprovar uma mudança retrógrada, algo impraticável.

A narrativa de fraude eleitoral tem como pano de fundo uma ameaça golpista. Bolsonaro não esconde sua intenção em promover um golpe de Estado caso seja derrotado nas urnas. A incitação contra as instituições democráticas é clara. No Supremo Tribunal Federal (STF) o tema é tratado com preocupação. O ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, tem reafirmado em várias oportunidades o retrocesso que significa o voto impresso. Barroso disse que é “volta ao tempo de fraudes” e “vai trazer riscos e ameaças para resolver um problema que não existe”. O ministro Alexandre de Moraes, que presidirá o TSE durante as eleições de 2022, também é contrário à medida e disse que a mudança é desnecessária, pois não contribui “para a democracia, porque nós corremos um grande risco de quebrar o sigilo do voto”. A empreitada para manter as urnas eletrônicas tem movimentado o STF, ministros têm conversado com parlamentares na defesa do sistema. Mais uma cortina de fumaça de Bolsonaro está desfeita.