Em novembro do ano passado, em meio ao vertiginoso crescimento da pandemia no País, e meses após o rumoroso caso de racismo policial que culminou na morte de um negro nos EUA, o caso George Floyd, o Brasil assistiu, incrédulo e indignado, a um violento homicídio praticado nas dependências de um supermercado de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

João Alberto Freitas, de 40 anos, o rapaz assassinado, não era, assim como o americano Floyd, ‘flor que se cheire’. E não foi covardemente morto por causa da sua cor, mas também por conta dela. Contudo, a despeito de quem era e das agressões que cometeu contra funcionários do Carrefour – antes de ser espancado e morto -, não há justificativa para a barbaridade cometida por seguranças da empresa, e filmada de forma banal pela gerente da loja, Adriana Alves Dutra.

JUSTIÇA

Os agressores, Giovani Gaspar da Silva e Magno Braz Borges, foram indiciados, ao lado de mais duas pessoas, por homicídio triplamente qualificado, e a gerente que filmou a barbárie, também. Infelizmente, sabemos bem como funciona o nosso judiciário, e a chance de uma punição realmente digna – e exemplar! – pelo crime cometido, é mínima.

Por outro lado, o Estado aproveitou a ‘oportunidade de ouro’ para exercer seu mister dever constitucional para com o cidadão e a sociedade. Neste caso, como em outros rumorosos envolvendo grandes corporações, como a Vale e o caso da barragem de Mariana, em Minas Gerais, ‘entrou de sola’ na parada em busca de holofotes e cifras milionárias (ou bilionárias, como no caso da Vale).

Muitas vezes, contudo, a gula é excessiva, e como todo mundo que vai com muita sede ao pote, acaba se afogando, e ações judiciais tomam o lugar de acordos e se estendem por décadas. Ao final, que nunca chega, nada é resolvido (vide Mariana, seis anos depois), e a máquina pública segue feliz, às custas das lágrimas de quem lhe sustenta.

INDENIZAÇÃO

Para evitar uma penca de processos judiciais ainda mais caros e danosos à sua imagem, o Carrefour fechou acordo com, anotem aí: o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MPRS), o Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Trabalho (MPT), Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE-RS) e, ufa!, Defensoria Pública da União (DPU) e aceitou pagar 115 milhões de reais em indenização a entidades públicas e ONGs que combatem o racismo e outras formas de violência social.

Até aí, ok. Nada de anormal. E confesso minha absoluta ignorância jurídica para analisar o mérito, valor e destino. Porém, o que me chama a atenção, e motivo deste artigo, é a discrepância monumental entre o valor que o Estado ‘arrecadou’ (e irá repassar a seu modo) e o que a família da vítima recebeu; quase 25 vezes menos.

Para a Justiça, leia-se Estado brasileiro – não no sentido literal (povo, território, língua, moeda etc.), mas como popularmente é conhecido o governo em todas as esferas e poderes – ONGs e companhia merecem mais dinheiro pela morte de um membro da família do que… a própria família!

As indenizações no Brasil, de cunho individual e não, coletivo, por ações que envolvem danos morais e materiais, são ínfimas, ridículas até. Nem sequer o conceito ‘pedagógico’ é levado em conta pelos magistrados a fim de punirem exemplarmente os infratores, inibindo práticas ilegais semelhantes. Além disso, há um tal ‘enriquecimento sem causa’, ou algo assim (me corrijam os advogados), que impede as pessoas de receberem muito dinheiro em um processo judicial.

CONFISCO

Ao fazer com que uma empresa – justamente, diga-se – arque com mais de 100 milhões de reais em multas, para, digamos, reparar à sociedade o seu crime, ao mesmo tempo em que determina ‘parcos’ 5 milhões de reais para quem perdeu um ente querido, o Estado, na minha visão, é claro, incorre em um vergonhoso, mas para lá de corriqueiro, confisco.

Ele, que já leva dos entes privados quase 40% de tudo o que produzem, sob a forma de impostos, apenas para sustentar uma burocracia ineficiente e, muitas vezes, corrupta, jamais deixa escapar uma chance de uma nova ‘mordida’. E os nacos parecem sempre insuficientes para a fome da máquina estatal.

O Caso Carrefour escancara de forma irrefutável essa relação desigual e, diria, escravocrata, entre o Poder Público, que tudo pode e faz, e a iniciativa privada, sejam as pessoas físicas ou jurídicas, principalmente as grandes empresas, onde um (o Estado) leva quase tudo e não entrega quase nada, e o outro (nós e os Carrefour da vida) apenas assiste, num misto de indignação e conformismo, o eterno, e cada vez maior, confisco estatal. Neste caso, o da morte do João.