Refugiados em seu ninho, no alto de uma árvore com vista para a vegetação queimada, um casal de tuiuiús, ave-símbolo do Pantanal, representa a resistência deste santuário de biodiversidade assolado pelos incêndios.

Monogâmicos, os tuiuiús, espécie da família das cegonhas com cerca de 1,5 metro de altura, raramente abandonam seus ninhos a menos que se sintam ameaçados.

Foi o que aconteceu com este casal de tuiuiús, que no ano passado teve que se afastar do ninho para escapar do fogo. Ao retornar este ano, as aves viram novamente as chamas se aproximando perigosamente da árvore onde nidificaram.

Nesta região ao sul da Amazônia, os incêndios em grande escala costumam ocorrer na segunda metade do ano. Mas este ano as chamas chegaram mais cedo, com 3.451 incêndios identificados desde janeiro, vinte vezes mais do que no mesmo período em 2023.

Desta vez, os tuiuiús se salvaram graças a uma força-tarefa que contou com os esforços do Instituto Homem Pantaneiro (IHP), ONG que atua na preservação do Pantanal e que trabalhou na operação junto aos bombeiros e o Grupo de Resgate Técnico Animal Cerrado Pantanal (Gretap-MS).

A missão: criar uma espécie de perímetro de segurança ao redor do ninho feito no topo de uma piúva (ou ipê-roxo), uma das árvores mais altas do Pantanal.

Os bombeiros limparam a vegetação em volta para conter a propagação do fogo e resfriaram a área por 48 horas consecutivas, enquanto outras equipes combatiam as chamas. Um helicóptero foi usado para lançar água sobre o local, tomando cuidado para não molhar e destruir o ninho.

O esforço deu certo e os tuiuiús sobreviveram e permaneceram.

“A gente comemora muito essas pequenas vitórias porque são elas que nos dão combustível para podermos fazer mais. Foi um trabalho de muito esforço, de muita técnica, que está tendo esse bom resultado”, explica à AFP o biólogo Sérgio Barreto de Aguiar, de 42 anos, responsável técnico do IHP.

– Bioindicador –

De nome científico Jabiru mycteria, os tuiuiús são reconhecidos por suas patas e pescoço pretos, penugem branca e papo vermelho. Alimentam-se de peixes, pequenos moluscos e crustáceos que abundam nas baías do Pantanal na época da vazante. Nesta temporada, o ciclo reprodutivo terá início no segundo semestre, a partir de outubro.

Essa espécie é considerada um símbolo do Pantanal, razão a mais para vigiar de perto seu ninho.

“A gente tem um grande cuidado com esse ninho. Passamos aqui para ver se o fogo não voltou, se a área está resfriada, e os bombeiros estão sempre à disposição para, se for preciso, voltarem a resfriá-lo com água”, afirma Barreto.

Tanto zelo tem uma explicação: além de ser uma espécie ameaçada, o tuiuiú é um bioindicador, ou seja, atua como um termômetro da qualidade ambiental de seu hábitat.

“É uma espécie que sofre bastante neste período [de queimadas]. A gente está vendo muita fumaça, o que acaba causando problemas respiratórios e é importante que a gente entenda que quando a gente tem a presença desses animais bioindicadores, de topo de cadeia, isso nos indica que toda a outra fauna abaixo dele está presente”, acrescenta o biólogo.

Porém, nem todas as aves têm a mesma sorte. Perto do ninho dos tuiuiús, um pequeno pica-pau foi encontrado morto sem sinais de queimaduras ou lesões externas. Segundo Barreto, há indícios de que tenha morrido intoxicado pela fumaça das queimadas.

“Esse é o grande problema do incêndio, ele não mata apenas por queimadura, mas também por inalação de fuligem, fumaça, causando problema respiratórios. A gente encontra diversas aves mortas por este motivo”, lamenta, em um sinal de que a vigilância constante é necessária.