De férias nos EUA neste início de ano, o deputado Eduardo Bolsonaro encontrou-se com os companheiros da ala ideológica do governo, como o guru Olavo de Carvalho e o blogueiro Allan dos Santos, entre outros, para alinhavar os seus ideais conservadores. Na pauta do encontro, realizado dia 7, estava a elaboração de uma cartilha que deverá servir de base para a estruturação de um partido bolsonarista, possivelmente o Aliança pelo Brasil, que ainda não está descartado pelo grupo. A avaliação é que uma nova experiência partidária não pode cometer os erros estratégicos ocorridos no PSL, quando membros da cúpula acabaram divergindo do extremismo da base governista.

A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) afirma que houve uma rebelião dos que enxergavam a existência de uma seita bolsonarista. “O que o filhinho do presidente está fazendo é oficializar a lavagem cerebral que eles tentaram impor aos integrantes do PSL. O Eduardo quer colocar no papel a criação de uma seita”, disse a deputada à ISTOÉ.

“O que o filhinho do presidente está fazendo é oficializar a lavagem cerebral que eles tentaram impor aos integrantes do PSL”
Joice Hasselmann, Deputada (PSL-SP)

Olavo de Carvalho continua, como sempre, dando a linha intelectual ao bolsonarismo, como voltou a ficar acentuado na reunião de Washington. Esse pensamento é pautado pelo que ele escreve no seu Twitter e serve de base para municiar Bolsonaro e seus filhos. Entre um palavrão e outro, Carvalho faz questão de levantar teses obscurantistas a respeito da Covid-19, por exemplo. Ele expõe teorias conspiratórias dignas de histórias em quadrinhos. Mas o fato é que a família confia no guru e será dele a coordenação da cartilha. Por isso, esse encontro nos EUA, às vésperas da possível viabilização de um novo partido de extrema direita, é tão emblemático. Nesse grupo, cabe ao blogueiro Allan dos Santos a função de divulgar os ideais nas redes. O País, que já teve um sociólogo como Fernando Henrique Cardoso na presidência, assiste assustado à limitação intelectual dos Bolsonaro, que apelam para figuras tão bizarras.

AMIGOS Ivanka Trump (ao centro), filha do presidente americano, recebeu Eduardo Bolsonaro com a sua esposa, Heloísa, e sua filha Geórgia (Crédito:Divulgação)

Aqui no Brasil, o empresário Felipe Belmonte, que também ajuda na concretização desse projeto, diz que a ideia do Aliança ainda está viva. “É possível que até março todas as fichas tenham sido coletadas.” A tendência é que todo esse pensamento conservador de Olavo de Carvalho e Eduardo Bolsonaro integre o novo partido. A probabilidade de o partido prosperar, no entanto, é muito pequena, tanto que o próprio Bolsonaro corteja a filiação ao Republicanos ou ao Progressistas para ser candidato à reeleição em 2022.

Partido não é quartel

Cientistas políticos dizem que há uma confusão dentro da fundação do Aliança que expõe características apropriadas aos regimes autoritários. “A ideia de doutrinar as pessoas através de uma cartilha é mais apropriada para quartel do que para partido. Tentar transformar eleitor em soldado não é saudável para a democracia”, disse o cientista político Rubens Figueiredo. De acordo com o estatuto, o Aliança exige dos filiados comportamentos que chamam atenção, como a “garantia do acesso às armas”, luta contra “qualquer medida de controle social da mídia” e “combate ao comunismo”. O discurso de liberalismo, dentro do estatuto, se esvai quando se observa que o ideal de liberdade é o combate ao pensamento do adversário.

Reforços foram arregimentados para a empreitada de fixação das ideias bolsonaristas. O Instituto Conservador Liberal (ICL) também deverá ser um dos celeiros das propostas do núcleo político bolsonarista. Lançado no dia 8 de dezembro, a entidade tem como principal garoto propaganda o próprio Eduardo Bolsonaro. No vídeo de apresentação do instituto, o 03 diz que os inimigos dos valores conservadores e liberais “tornaram-se mestres em manipular a verdade, subverteram linguisticamente e tiraram proveito das emoções e dos mais nobres sentimentos, conquistando corações e almas até mesmo dos mais bem intencionados”. Não é de hoje, portanto, que o filho político mais novo do presidente se articula em busca de liderar os conservadores. Ele atua na organização da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), que em agosto de 2019 realizou um grande congresso no Brasil. Para o evento, ele utilizou cerca de R$ 2 milhões da verba do fundo partidário do PSL, no período que era presidente do diretório estadual da legenda em São Paulo. Na época, a ISTOÉ divulgou os ataques do deputado Julian Lemos (PSL-PB) ao filho do presidente. Lemos chamou publicamente o 03 de “demagogo, ladrão e hipócrita”. Daí em diante a saída do PSL e a criação de um novo grupo vem sendo planejada.

O fundamentalismo de Eduardo é tão evidente que ele aproveitou suas férias nos EUA para visitar, no dia 4, a filha do presidente derrotado Donald Trump, Ivanka Trump. Após o encontro, ele escreveu no Twitter: “Ocasião para reforçar os laços entre os nossos países e para uma agradável conversa”. Não há laço nenhum que possa ser reforçado com o presidente que já articulava uma insurreição contra o regime democrático americano. Na oportunidade, apenas os extremistas que invadiram o Capitólio dois dias depois do encontro com Ivanka não reconheciam a vitória do democrata Joe Biden. O cientista político Márcio Coimbra critica a postura de Eduardo. “O movimento sábio neste momento é criar pontes com os democratas. Devemos pensar na relação institucional entre Brasil e Estados Unidos, maior do que qualquer relação pessoal entre presidentes”. O deputado, que teve frustrada a intenção de ser nomeado embaixador do Brasil nos EUA, ainda mantém a imagem de Trump no lugar da sua própria foto no perfil do Twitter, como uma homenagem ao presidente americano banido das redes sociais.

Condomínio 04
Jair Renan Bolsonaro é a prova de que uma ideologia extremista pode se transformar em seita

Divulgação

Se a ala ideológica do governo ainda tem muito o que fazer para disciplinar seus ideais partidários, o mesmo não ocorre dentro da família do presidente. O filho 04, Jair Renan Bolsonaro, acaba de lançar um canal do Youtube com entrevistas. Ele teve alguma notoriedade quando o pai disse que o youtuber havia “transado com metade do condomínio” onde mora no Rio de Janeiro. Hoje, o rapaz usa essa fama e as suas relações palacianas como forma de se tornar um empreendedor. Na estreia no Youtube ele fez uma apresentação recheada de misoginia, racismo estrutural, homofobia e um vazio gigantesco. Ele começa chamando os espectadores de “beta” e diz que vai ensinar como ser “alfa”. Disputa com o entrevistado quem “comeu mais gente”. E abre espaço para uma fala de vitimização dos negros. Ele mostrou que essa deve ser a tônica das atrocidades que dominarão seu canal. A cartilha do pai e do irmão funciona  mesmo na família.